Já estou, como o povo português, farto desta novela da administração da CGD. Afinal, entregam ou não a declaração de rendimentos? Se não querem entregar, vão-se embora de vez e não andem a dizer todos os dias que se demitem. Parece aquela cena de quando éramos miúdos do “agarrem-me, senão eu bato-lhe”. Respondam-lhes que “não são homens, não são nada, se não se demitirem.”

Esta administração da CGD é, aliás, o exemplo da adivinha muito portuguesa do “o que é que é que antes de o ser já o era?” Já não é só, como até aqui, a pescada, que antes de ser pescada já era pescada. Agora também é a administração da CGD, pois soubemos recentemente que em Bruxelas já o era antes de o ser cá no país.

Ao matar esta adivinha, estão a assassinar as recordações de infância de muitos portugueses, o que também não se lhes pode perdoar. Em Nova Iorque, as pessoas estão a colocar post-it no metro com mensagens contra Trump; aqui, para manter as paredes do metro limpas, bastava escrever no topo “faça aqui um grafiti em solidariedade com a administração da CGD” – é seguro que a parede ficaria como nunca, até as moscas se manteriam à distância.

Voltando ao tema, porque é que eles não entregam as declarações? O que há nelas de tão pecaminoso? Têm medo de perder o apoio dos comunistas por ficar patente que são lacaios do grande capital? Têm recibos passados pela CIA (a Confederação Internacional dos Acordeonistas)? Não! Isto é matéria de difícil compreensão para o cidadão normal, que vive num T2 na Baixa da Banheira, mas tem justificação científica clara.

Primeiro, o direito à privacidade. Quanto um tipo ganha é matéria que deve ficar entre si e, o que já é um abuso, os fulanos dos impostos. Como pode interessar a terceiros, se não é o que eles ganham? Só para fazer inveja, o Complexo de Ftono, e criar inimizades. Segundo, provoca inflação. Todos os gestores vão querer ganhar o que eles ganham, o que faz os preços aumentarem para se poder pagar a todos. Alyssa Davis fala do aumento do “CEO-to-worker compensation” nos EUA, de 20-1 em 1965 para 300-1 em 2013. Terceiro, o Paradoxo da Reversibilidade do Argumento. Se ganham mais que quem lhes paga, não deviam trocar de lugares? O melhor é não se saber, para não se questionar, o Véu do Mistério. Tudo, pois, argumentos de peso.

Mas se assim é, porque não se demitem? A resposta também é simples, e não são os estudados “withdrawing symptoms” porque, a bem dizer, ainda não entraram. É porque ninguém se consegue demitir mal acaba de ser nomeado, o Síndroma do Coitus Interruptus: cria-se uma disfunção psicológica que resulta da dúvida, permanentemente instalada na mente, sobre a capacidade do indivíduo estar à altura. Portanto, os nossos administradores não se vão demitir, e este jogo de “chicken” arrisca-se a durar.

Assim, e como contributo pessoal para resolver esta situação, movido apenas pelo interesse público, ofereço-me para preencher as malditas declarações por poucos por cento do salário dos (mal)ditos. E comprometo-me a manter a confidencialidade, eu seja ceguinho.

 

Nota biográfica: Hemp Lastru (n. 1954, em Praga) é sobrinho neto de Franz Kafka. Democrata convicto, ativista e lutador político, é preso várias vezes pela polícia secreta checoslovaca, tendo sido sentenciado em 1985 ao corte de uma orelha sob a acusação de “escutar às portas”. Abandona a política em 1999, deixando Praga para residir em Espanha. Mudou-se para Portugal em 2005 porque “gostaria de viver num país onde os processos são como descrevia o meu tio-avô nos livros.”