Estamos a caminho de grandes encruzilhadas políticas, económicas, sociais complexas e de ruptura em muitos casos.

Estamos. É evidente. Todas as sociedades estão. Mesmo em África e em outras regiões subdesenvolvidas do planeta. Mas, por estranho que pareça, nestas até poderá ser mais fácil esse desafio, porque, por vezes, dão-se saltos civilizacionais. Não me posso esquecer. Há cerca de 30/35 anos, numa ida a um país africano de expressão portuguesa “choquei/espantei-me” já com a “era” dos computadores, por exemplo em tarefas como a dactilografia, quando em Portugal ainda se estava na “era” das máquinas de escrever.

O país, isto é Portugal, vai ter de se preparar e reagir a este desafio, com as suas especificidades próprias. Penso que ainda existe pouco pensamento (pelo menos expresso) e em termos de estruturas organizadas para o equacionar ainda menos. E Portugal vai enfrentar situações gravíssimas no curto, médio e longo prazos.

Há projecções demográficas do INE que apontam para uma perda de população da ordem dos 2,5 milhões de pessoas no Horizonte 2080. Ou seja, Portugal, daqui a 60 anos e numa perspectiva conservadora (e já abordarei as razões desta afirmação), terá menos de 7,5 milhões de residentes e com o índice de envelhecimento altíssimo.

Poderão ser efectivamente conservadores os números apontados, porque especialistas de demografia afirmam como forte a probabilidade dessa realidade ocorrer muito antes e sabemos todos que este tipo de impactos começa a sentir-se com uma décalage. Aliás, há quem sustente que Portugal no Censos em curso de 2021 vai registar valores da população residente abaixo dos dez milhões. Uma má notícia, caso se verifique. Nos Cenários do INE para 2080, esta perspectiva de descida só é esperada para 2031, mas pode acontecer dez anos antes. Aguarde-se o teste do Censo.

A questão de fundo é que não há soluções na mesa para o problema. Nem o Governo, nem os partidos encaram este grande desafio com rigor. Isto não vai com simples medidas de natalidade, por muito interessantes e importantes possam ser.

Há também quem diga que esta questão da baixa populacional pode não ser muito grave. O país precisa é de “se preparar” para responder de forma adequada a esta baixa populacional. Dito de forma tão simples acarreta muitos riscos, pois este decréscimo populacional provoca desequilíbrios ao nível dos diversos índices, sobretudo os ligados ao envelhecimento. Reduz de forma desproporcionada a população activa e fará desaparecer muitas comunidades rurais, exigindo uma restruturação administrativa do país.

E preparar-se como? Só com mudanças radicais em todo o tipo de ensino, promover uma outra e sobretudo nova formação, qualificar as pessoas de forma ajustada para que o país comece a ficar apto para gerir esta ruptura estrutural da sociedade, de forma a fazer, com muito menos pessoas, o que hoje faz e ainda acrescentar mais riqueza, pois no contexto europeu e mundial estamos muito aquém do nível de vida dos países melhor posicionados.

Pior. O problema da baixa da população não vem só. Chega acompanhado de grandes perspectivas de mudanças societárias, económicas, decorrentes de novas tecnologias em marcha, cujos impactos ainda têm contornos difusos mas, tudo indica, podendo resultar num exército de gente sem trabalho por desaparecimento dos postos de trabalho. A inacção tecnológica.

Por exemplo, ainda não se descortina o alcance da robotização das sociedades!! Qual o ritmo? Que sectores/profissões vão ser mais afectados? Como será depois a organização desses sectores? Serão necessárias pessoas com outras qualificações, totalmente novas, pois as necessidades de coordenação e gestão desta nova sociedade, desta economia, serão totalmente diferentes. Novas mentalidades e novo saber fazer.

Outro exemplo, ainda não “casaram” bem a biotecnologia e as tecnologias de informação. Quando isso acontecer, como vai ser gerida a questão do algoritmo “inteligente” pelo ser humano, para citar apenas um exemplo? Qual o papel do algoritmo? O ser humano continuará a dominar ou passará a ser comandado?

Já há situações inesperadas. Nos jogos de xadrez, há bem pouco tempo, o computador começou a ganhar aos campeões mundiais. Foi um choque. Algum tipo de algoritmo começou a gerar de forma autónoma processos de jogadas que, por seu intermédio, lhes permitem superar os craques. Esta situação não irá estender-se a outros domínios?!

Outra situação. Fala-se muito de uma nova mobilidade necessária face a certos objectivos, entre eles os ambientais. Lisboa foi até palco recente de um grande fórum sobre esta matéria. Os princípios de que se fala para enformar esta nova mobilidade acarretam mudanças de ruptura, nomeadamente a electrificação, a conectividade, a partilha, as cidades inteligentes e até já está em marcha o projecto da primeira “Ilha Inteligente”, o Porto Santo.

Ora, caminhar neste trajecto implica ajustamentos a vários níveis, incluindo mudanças de fundo nas empresas construtoras de automóveis, outros tipos de carros, “abandono” em larga escala – sobretudo nas cidades – do automóvel particular e uso dos transportes colectivos. Se a isto juntarmos os novos passes, estamos de facto na nossa era a iniciar uma revolução.

Mas, se a isto somarmos a condução autónoma do automóvel num horizonte não muito distante, certamente a menos de 60 anos de vista, necessariamente os problemas vão complexificar-se bastante. Começará a aparecer o “exército de inactivos. Como serão os Táxis e a Uber neste contexto? Fará sentido perder tempo com “certas guerras” ou faria mais sentido equacionar o que vem a caminho?!

É aqui que queria chegar.

O país não está minimamente preparado, não tem nada em linha para preparar de forma alicerçada estas e outras mudanças radicais aqui afloradas. Portugal tem investigação de excelência, tem investigadores e cientistas excelentes dentro e fora de portas. Falta-lhe articular tudo isto, sedimentar pensamento, equacionar conclusões e linhas de acção. Falta-lhe algo que ligue e articule o que existe e já está em movimento.

Visto de fora, até parece simples articular e relacionar estes aspectos dispersos da realidade nacional. E comparar com o que se perspectiva no exterior.

Falta-lhe o que poderíamos imaginar uma “Célula de Prospectiva” que, com um trabalho persistente e continuado, conjugasse e articulasse tudo isto com um projecto económico e social dinâmico de futuro. Construísse cenários a prazo, um pano de fundo para todos os agentes se referenciarem e moverem numa posição crítica.

Em termos de pessoas não precisa de muita gente. Em termos de custos também não. Deveria ter apenas uma porta aberta para se relacionar com o que se vai produzindo em termos de ideias, dentro e fora de portas, e verter para documentos tudo isso perspectivando efeitos societários e económicos. Cenários são alertas.

Nunca houve nada organizado a sério neste domínio em Portugal e as tentativas nem sempre foram bem acolhidas. Temos tendência para começar e largar, começar e largar ao sabor das ondas…

Apesar de ao nível da União Europeia – penso eu que a “Célula de Prospectiva” que já houve também se finou – entendo ser uma ideia de fundo a pensar e a dinamizar em bases sustentáveis. E já é tarde.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.