Mais um naufrágio de enormes proporções no Mediterrâneo, mais um apelo papal, mais um esgrimir de acusações que impedem a ajuda humanitária de chegar às cidades mártires. É uma tragédia da qual não se vislumbra fim nem tão pouco decisões, compromissos e acções que lhe ponham travão. Ontem, já seria tarde demais; mas, amanhã, as estatísticas, esses números divinos que regem as sociedades e as políticas terão dado um salto mais no gráfico da morte. Enquanto isso, multiplicam-se cimeiras, conversações… Cada palavra inconsequente nos corredores do poder significa um número de cadáveres, um filho que perdeu os pais, um pai que viu morrer toda a família, ali, quase ao alcance das suas mãos impotentes.

Discute-se o reforço de muros, vedações, medidas de contenção, criam-se polícias de imigração, como se fugir à guerra, à fome, à morte fosse uma epidemia, uma infestação, um crime. A Europa que treme sob a ameaça de ataques nas suas cidades é a organização que mais contribui para o recrutamento e aparecimento de novos terroristas, quando barra o acesso e mantém milhares de pessoas desesperadas em campos de refugiados.

Estes são terreno fértil para a radicalização, para o recrutamento da Jihad, que tem vindo a mudar os seus “soldados de Alá”. Há denúncias de diversas ONG a operar nesses campos que dão conta do recrutamento de mulheres e de jovens com idades cada vez menores, praticamente crianças. Se dúvidas houvesse, a realidade encarregar-se-á de mostrar que, efectivamente, a “Geopolítica do Desespero” é a maior força com que os Estados se debatem.

Comentava há tempos um alto quadro duma organização internacional que, a este ritmo, seriam precisos 80 anos até se concluir o processo de recolocação. A responsabilidade da referida personagem leva-me a tomar por boa a informação, embora possa, à primeira vista, parecer exagerada. Ora, 80 anos são, no mínimo quatro gerações! Quatro gerações encurraladas, sem esperança, com as vidas suspensas e os olhares presos a muros intransponíveis. Temos dúvida quanto às consequências de uma tal situação? Teremos resposta para um “exército” desta dimensão? Porque, não nos iludamos, está em marcha a constituição de um exército. Não convencional, diferente de tudo quanto sabemos da arte da guerra, mas um exército, sem dúvida. Reconhecendo a necessidade imperiosa da identificação destes deslocados, pergunto: Não há maneira de acelerar o processo? A quem poderá interessar este impasse?

A autora escreve segundo a antiga ortografia.