No início eram os monopólios estatais onde uma única empresa publica operava em toda a cadeia de valor, mais tarde com a liberalização e concorrência em alguns segmentos de negócio veio a época dos oligopólios na produção e da especialização em outras áreas, onde algumas empresas operavam em segmentos da cadeia de valor oferecendo aos consumidores alternativas aos incumbentes, agora é tempo da Energia 4.0.

A energia atravessa uma transformação profunda, fruto da pressão de variáveis como a digitalização, a maturidade das tecnologias renováveis, o novo potencial do armazenamento e a espada de Dâmocles que é a inexorável crise climática que temos de evitar acelerando o processo de descarbonização.

Um exemplo simples – a produção de energia – passou de um paradigma centralizado para um cenário de energia distribuída, onde a propriedade dos ativos de produção pode não ser um fator diferenciador para as empresas do setor. Acresce a possibilidade de armazenar energia, por exemplo, em baterias ou mesmo utilizando como grande “bateria natural” das eólicas, as barragens. Em que a procura ganha flexibilidade, fruto da entrada de novos pressupostos de consumo como no caso da mobilidade elétrica. E em que só com os desenvolvimentos das tecnologias de informação, da comunicação e a crescente digitalização dos sistemas de energia é possível concretizar esta mudança de paradigma.

A mudança obriga as empresas do setor, habituadas ao paradigma tradicional – assegurar segurança de abastecimento e margens de risco definidas – a repensar a forma como operam, porque esta flexibilidade permite preços e tarifas mais eficientes. Urge desenvolver a capacidade de resposta necessária para fazer face a uma maior flutuação no consumo de eletricidade fruto do maior “empoderamento” dos consumidores e valorizar de forma apropriada os serviços que os recursos de energia distribuída proporcionam.

Ao nível macro, existem empresas que comercializam e agregam produtores, criando uma escala grande sem necessidade de adquirir os ativos, e reduzindo o risco destes ao assegurar a compra da sua produção, por exemplo o gigante Statkraft na Alemanha tem grande parte do seu business plan assente nestas práticas de não ownership dos ativos. A uma escala simples, à popularização dos painéis solares residenciais, cada vez mais eficientes e mais baratos, irão também em Portugal juntar-se outras soluções de armazenamento, que transformarão o panorama tradicional do consumo energético. A conjugação da descarbonização com a inovação criou o enquadramento perfeito para as mudanças profundas na forma como as empresas de energia operam.

Assim, as empresas de energia 4.0 terão de conjugar características fundamentais que passam pelo acesso (e não necessariamente propriedade) a um portefólio de geração e armazenamento, pela gestão da informação de consumos que permita criar vantagens competitivas, pela capacidade de gerir o risco, otimizar a operação e o trading e, por último, pelo crescente recurso a ferramentas de automação e aplicações que permitirão criar uma maior proximidade e personalização da oferta para os seus clientes. O foco terá de passar pelos clientes. Os consumidores atuais em conjunto têm ao seu dispor a capacidade de influenciar a produção de energia de acordo com o que lhes for mais conveniente ou mais barato, escolhendo a fonte de energia, a sua utilização e, inclusivamente a sua produção e armazenamento.

Este novo paradigma cria novos desafios às empresas, à regulação e ao poder político, que exigem novas abordagens, novos serviços e produtos, nova legislação, para que no final do dia, o grande vencedor seja o consumidor.