Nos últimos meses, os projetos de energias renováveis têm ocupado o espaço mediático com um crescendo de críticas, protestos e providências cautelares. Várias manchetes acusam os estudos de impacte ambiental de serem “superficiais”, “feitos à medida” ou “assentarem em pressupostos errados”. A narrativa repete-se: os projetos avançam, a população contesta e os estudos são descritos como um simples requisito formal. Mas esta representação está longe de traduzir a realidade do processo.
É legítimo que existam dúvidas. É desejável que haja escrutínio. Mas é igualmente importante esclarecer como funcionam, de facto, os processos de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) em Portugal. Estes processos estão longe de ser simbólicos. Seguem enquadramento legal próprio, têm metodologias técnicas exigentes e envolvem várias dezenas de entidades da Administração Pública e instituições setoriais. Ainda assim, muitas notícias omitem por completo este sistema de verificação e exigência, o que fragiliza a perceção pública sobre o processo.
Tem sido recorrente encontrar, nos órgãos de comunicação social, afirmações como “os estudos ignoram os impactes cumulativos”, “os projetos vão abater milhares de árvores” ou “os pareceres são favoráveis porque quem paga é o promotor”. Noutras peças, leem-se expressões como “projetos aprovados sem escrutínio” ou “licenciamento acelerado”, que sugerem um vazio de avaliação. Muitas destas críticas partem de preocupações legítimas, mas raramente são acompanhadas de uma leitura rigorosa do processo em causa, nem confrontadas com os documentos disponíveis ou com as regras que orientam a sua análise.
Na realidade, um Estudo de Impacte Ambiental (EIA) não é um parecer de opinião. É um documento técnico, legalmente enquadrado, que identifica os impactes esperados de um projeto em diversos descritores ambientais e sociais (ecologia, ruído, água, solo, paisagem, património, saúde humana, entre outros). Para cada impacte identificado, têm de ser propostas medidas de minimização, compensação ou monitorização, com base em critérios científicos e orientações normativas.
Os estudos são entregues à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e avaliados por uma Comissão que integra entidades que abrangem todos os fatores ambientais e sociais previstos por lei, como o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), o Património Cultural, a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), as Administrações de Região Hidrográfica (ARH) integradas na APA, ou as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR).
Nenhum projeto é aprovado automaticamente. Muitos são reformulados, condicionados ou mesmo inviabilizados. E todos estão sujeitos a consulta pública através do Portal Participa, onde qualquer cidadão pode consultar documentos, apresentar objeções e contribuir para o processo decisório. Esta fase é mais do que um formalismo: já levou a alterações concretas e à introdução de preocupações locais nos projetos.
Numa altura em que a transição energética exige rapidez, mas também responsabilidade, importa preservar a integridade dos processos que asseguram que os projetos são analisados com base em conhecimento, não apenas em opinião. E importa também promover um debate público informado, em que as críticas sejam ouvidas, mas também contextualizadas à luz das regras e dos dados. Quando a cobertura mediática omite sistematicamente este enquadramento, está-se a empobrecer a discussão e a afastar a sociedade civil dos mecanismos de decisão em vez de a aproximar.
Criticar é saudável. Exigir qualidade nos projetos também. Mas quando o debate público se constrói com base em perceções parciais ou em afirmações não fundamentadas, corre-se o risco de descredibilizar um processo que existe precisamente para garantir equilíbrio, transparência e responsabilidade. Conhecer este processo é essencial para qualificar o debate, valorizar o papel das entidades que o asseguram e reforçar a confiança nas decisões que moldam o território e o futuro coletivo.