De entre as medidas fiscais inscritas no programa do Governo que poderão vir a ser contempladas no próximo Orçamento do Estado para 2020, aquela que mais mediatização tem vindo a ter é a que respeita à obrigatoriedade do englobamento dos rendimentos de capitais e prediais para efeitos de determinação do rendimento coletável em sede do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), e que levou inclusivamente o próprio Primeiro-Ministro no âmbito de um debate parlamentar a apelidar de “patético” o exercício que envolveu a preparação de algumas simulações efetuadas por algumas consultoras sobre os potenciais impactos que tais medidas pudessem vir a ter junto dos contribuintes.

De facto, na página 139 do programa oficial do Governo pode-se ler, no âmbito do capítulo intitulado por ”promover a progressividade fiscal”, que uma das medidas de índole fiscal aí preconizadas passará por “caminhar no sentido do englobamento dos diversos tipos de rendimentos em sede de IRS, eliminando as diferenças entre taxas”. É neste contexto que toda a discussão pública tem vindo a ocorrer, pois os rendimentos de capitais e prediais entram na categoria de rendimentos que podem, por opção dos contribuintes, não serem englobados, sendo, consequentemente tributados, regra geral, a uma taxa autónoma de 28%.

Nesta tipologia de rendimentos, podemos encontrar, entre outros, juros de aplicações financeiras, dividendos de ações e ainda rendimentos prediais derivados do arrendamento de imóveis.

Não querendo entrar na discussão das simulações sobre os eventuais impactos que esta eventual obrigatoriedade de englobamento de tais rendimentos pode implicar em termos de um hipotético aumento da carga fiscal, pois considero que tal deve (e pode) ser feito quando estivermos perante uma proposta de alteração concreta e objetiva, tal não obsta a que se possam fazer algumas breves reflexões sobre o alcance desta medida junto dos contribuintes.

Se por um lado, se percebe, numa perspetiva teleológica, o princípio (e racional) subjacente a uma eventual obrigatoriedade do englobamento de todos os rendimentos auferidos por um sujeito passivo singular, atendendo à logica de unicidade que deveria prevalecer no IRS, apesar de historicamente essa não ter sido a opção do legislador, por outro lado, teremos de perceber quais os impactos na economia que tal medida possa ter nos contribuintes, nomeadamente ao nível da aplicação das poupanças enquanto fator que pode impulsionar / incentivar o investimento nos mercados de capitais e imobiliário.

Ainda que não se faça um exercício aritmético concreto e objetivo, é relativamente consensual que uma eventual obrigatoriedade de englobamento dos rendimentos de capitais e prediais, que não seja acompanhada de outras medidas, conduzirá a um potencial aumento da carga fiscal de um contribuinte que aufira este tipo de rendimentos, pois será normal que a sua taxa final de imposto seja superior a 28%.

Neste cenário, será provável que os aforradores tradicionais possam reequacionar as suas decisões de investimento no mercado de produtos financeiros (v.g. mercado de dívida) e que os proprietários de imóveis possam ter de ajustar em alta o “pricing” das rendas que normalmente cobrariam pela utilização dos seus imóveis, dado que o esforço fiscal poderá vir a ser maior. Isto num cenário em que se discute amplamente a necessidade de se promover de forma robusta o mercado de arrendamento, tal medida iria certamente no sentido oposto.

Dito isto, poder-se-ia até antecipar que o impacto na receita fiscal até pode ser negativo, pois podemo-nos arriscar a haver menos rendimento coletável para tributar. Mas tudo isto poderão ser especulações prematuras, pois como disse anteriormente, o que interessará verdadeiramente é debater (e testar os impactos) uma proposta de alteração concreta a este nível para que se possam tirar as devidas ilações.

Em suma, o que importa verdadeiramente nesta fase de debate prévio à apresentação da proposta de lei do Orçamento do Estado para 2020 é que se discuta (e que se analise em todas as vertentes) o impacto que uma medida com estes contornos possa vir a ter, pois dificilmente, para além dos efeitos teóricos e técnicos associados à lógica de unicidade do imposto, se perspetiva uma vantagem para o país de uma medida deste género, dados os potenciais impactos adversos que a mesma traria certamente ao nível dos investidores que podem potencialmente ser superiores à receita fiscal adicional que o Estado cobraria.

Mas aguardemos as novidades que se avizinham!