Depois de o primeiro-ministro ter protagonizado um dos momentos mais surreais da história parlamentar da democracia portuguesa – a rivalizar com o episódio dos cornos de Manuel Pinho –, eis que os respetivos ministros entram numa competição para ver quem profere a declaração mais polémica. Sendo que, nalguns casos, “polémica” é claramente um eufemismo.

1. A ministra da Saúde deu numa de Marquesa do SNS e, numa tirada espantosa para quem deve zelar pela saúde dos portugueses, disse literalmente (tive que ver as imagens para acreditar!) que, em caso de erro médico, o que é preciso é “enterrar os mortos e tratar dos vivos”. De uma assentada só, compara o estado atual do SNS ao caos gerado por um terramoto, cita um dos maiores tiranos da história portuguesa e, não menos importante, sintetiza toda uma visão ideológica do sistema que tutela. A saber: o SNS é a maior conquista da democracia portuguesa, pela qual os portuguesas devem estar imensamente gratos. Se, porventura, as coisas não funcionam tão bem quanto se desejaria, a culpa é da concorrência desleal feita pelos privados.

Com declarações deste quilate, não admira que o SNS continue a registar uma “desnatação da procura” – a expressão, também ela plena de significado, é tirada do preâmbulo da proposta de Lei de Bases da Saúde que o Governo pretende ver aprovada no Parlamento. A verdade é que os doentes, quando escolhem um hospital, tendem a esquecer inclinações ideológicas e, sobretudo, não gostam da ideia de sair de lá com os pés para a frente.

O primeiro-ministro parece ter apreciado o sentido prático da sua ministra e resolveu ajudá-la na guerra contra os enfermeiros chamando-lhes, como quem não quer a coisa, selvagens. Já não criminosos, porque isso seria ofensivo, mas selvagens. Um bom começo para retomar o diálogo.

2. Entretanto, já o ministro do Ambiente tinha vindo a público dizer aos portugueses para não comprarem mais carros a gasóleo, porque daqui a “quatro ou cinco anos não vão ter grande valor na sua troca”. A declaração, apesar de não chegar aos calcanhares da proferida pela sua colega de Governo, foi suficiente para incendiar os ânimos de consumidores e pôr a indústria automóvel em polvorosa, que naturalmente sabe muito melhor do que o ministro quando é que o elétrico vai substituir (se é que vai) o diesel.

Descobre-se sem grande surpresa que a imensa frota automóvel do Estado é composta esmagadoramente por carros a gasóleo e com mais de 15 anos. Mais poluentes seria difícil. O ministro não se ficou e, fiel às suas convicções, voltou a insistir na mensagem. E, para dar o exemplo, o Estado vai comprar 200 carros elétricos, o que, num universo de 25.000 automóveis, vai fazer imensa diferença. Em contrapartida, as automotoras que a CP adquiriu em segunda mão são a diesel e, naturalmente, muito velhas.

3. Quem também aproveitou a semana passada para insistir foi o titular da pasta do ensino superior. Ou melhor, Manuel Heitor insistiu no tema, mas desinsistiu na mensagem: disse que não disse que não devia haver propinas no ensino superior. Depois de um bom par de semanas a ser criticado por ter defendido o fim das propinas, veio jurar a pés juntos que não tinha alvitrado semelhante coisa. Toda a gente percebeu mal, portanto. Dezenas de aprimorados artigos de opinião, esgrimindo argumentos políticos, económicos e jurídicos contra o fim das propinas, todos escritos em vão.

É possível que Manuel Heitor se tenha cruzado entretanto com Mário Centeno, mas o certo é que retornou ao bom caminho. Ainda bem. Pena foi que, pelo meio, o Presidente da República também tivesse pensado que ele estava a falar a sério.

4. Finalmente, com escassíssima originalidade, o ministro da Administração Interna veio declarar que “Jamaica somos todos nós”. Mas não, senhor ministro, não somos.

Até há poucos dias ninguém sabia sequer onde ficava essa Jamaica. Muito menos podemos imaginar o que é viver lá. E agora sabe-se apenas que fica no Seixal, uma autarquia que, pelos vistos, apesar das responsabilidades que tem há décadas em matéria de urbanismo e habitação social, prefere gastar dinheiro em horas extraordinárias para os seus funcionários darem uma mãozinha na Festa do Avante.

Por isso ali continuaram indefinidamente aqueles prédios em tijolo, defronte para a Rua 25 de Abril, com a Rua Humberto Delgado nas traseiras, e a dois passos da Avenida 1º de Maio.