Assistimos diariamente ao desenrolar de notícias sobre a “gentrificação” das cidades. Lisboa e Porto são os “piores” exemplos desta nova realidade, muito velha noutros países. Ruth Glass, uma socióloga inglesa, empregou o termo pela primeira vez em 1964 para ilustrar o início da deslocação dos aristocratas do campo inglês para Londres, onde se instalaram em bairros até aí habitados por classes sociais de menor poder económico. Já lá vão mais de 50 anos…

Por cá, a sociedade aponta culpados, os especuladores imobiliários e o turismo, e identifica vítimas: os habitantes da cidade e os jovens que aí se querem instalar. Estão-se a ir embora os vizinhos de sempre e, no seu lugar, vêm turistas e milionários que pagam 10.000 euros por metro quadrado em casinhas onde antes simpáticas velhinhas assavam sardinha no Santo António.

O Governo cedeu: reviu a Lei do Arrendamento proibindo o despejo dos inquilinos com mais de 65 anos.  A Câmara de Lisboa, por seu lado, promete construir mais de 7.000 fogos para habitação jovem de renda controlada. Exatamente como em Amesterdão, Paris, e por aí fora. É aqui que o meu coração – que pulsa mais do lado esquerdo que do direito – resolveu investigar.

Primeira constatação: em 2003, a cidade de Lisboa tinha 540.000 habitantes. Perdeu população de forma contínua, todos os anos, até atingir o mínimo de sempre, 475.000 habitantes em 2010, precisamente o ano em que chegou a troika. Em sete anos perdeu mais de 12% da sua população. Ou seja, na época em que o Rossio à noite era um deserto de meter medo e ninguém queria lá viver, nem em Alfama, fosse velho ou fosse novo. Nessa altura podia comprar-se um andar a menos de mil euros o metro quadrado. Apesar disso, e do crédito à habitação quase empurrado pela boca abaixo, nada parecia impedir a degradação e desertificação sustentada de Lisboa.

O que preocupava os políticos era a “regeneração urbana”. Hoje, a cidade tem 510.000 habitantes. Recuperou mais de metade dos que perdeu. Por “culpa” da gentrificação. Claro, dir-me-ão – são os ricos que estão a ocupar a casa dos pobres. Será?

Um respeitado estudo de Frank Braconi e Lance Freeman sobre os bairros gentrificados de Nova Iorque, afirma perentoriamente que os habitantes pobres de áreas gentrificadas são menos suscetíveis a mudar de bairro do que habitantes pobres de zonas pobres. Claro: o pobre quer fugir da pobreza, não da riqueza! Diz também que, quando vastas áreas urbanas entram em decadência, as propriedades desabitadas, abandonadas ou em necessidade de reparação são tão abundantes que existe um “stock” em necessidade de reabilitação que cria o espaço ideal para a entrada de novos habitantes e negócios sem necessariamente deslocar quem lá vive. Era este o caso de todo o centro histórico de Lisboa e Porto. Finalmente, há ainda o fenómeno que ninguém quer admitir: alguns habitantes de velhas casas subitamente valorizadas preferiram vender e lucrar mais dinheiro do que provavelmente terão ganho em muitos e árduos anos de trabalho. Venderam e voltaram para a terra ou descobriram que, de repente, a filha já os podia acolher. Terrível, mas verdadeiro.

Pensar que o que aconteceu em Lisboa e no Porto foi uma desgraça é, pura e simplesmente, falso. As cidades refizeram-se, reconstruíram-se e atraíram mais – não menos – habitantes. Pulsam de vida e de atividade. E levantaram o País consigo. E os políticos de turno lá vão fazendo o que devem, regulando, legislando e construindo, por aqui e por ali.

Neste caso específico, não foi como o Tide. Neste caso, entraram ricos e muitos pobres ficaram. Só que estão um pouco mais ricos.