O Orçamento do Estado (OE) para o próximo exercício flutua entre a poesia, com versos afinados para os votantes dos partidos que suportam o Governo, e a rigorosa matemática imposta por Bruxelas. Poesia é também a referência aos princípios que supostamente inspiram este OE, incluindo o apoio à transição digital e o combate ao declínio demográfico, que depois se limitam a tímidas execuções.

Para os conseguir materializar de forma mais substancial, seria preciso abordar reformas estruturais da despesa do Estado, aumentando a sua produtividade e diminuindo o gigantismo de muitos serviços com relevância decrescente, que nenhum partido com aspirações de governo se atreve a empreender. Por isso, continua a haver demasiado presente e pouco futuro neste OE.

Sem uma narrativa sustentada e poderosa para o futuro do país, qualquer orçamento público acaba por ser um exercício circunstancial em que cada um de nós avalia o impacto que essa folha de cálculo terá no bolso em vez de aferir a coerência com essa visão. Nesse sentido, é dececionante, num contexto tão favorável como o atual, que não se impulsionem medidas mais contundentes de simplificação ou alívio da carga fiscal sobre pessoas e empresas.

A sociedade respira melhor quando cada um triunfa em função dos seus méritos e o Estado está presente nos momentos duros da vida. Mas este OE continua a drenar recursos à iniciativa privada que não se traduzem em planos de crescimento, aumento da competitividade ou da produtividade que permitam abordar sustentadamente a diminuição da dívida.

No lado mais positivo, começo por congratular-me pelo facto do Governo conseguir orquestrar um orçamento com altas probabilidades de aprovação parlamentar, o que não acontece atualmente noutros muitos países, incluindo a vizinha Espanha. Adicionalmente, os pressupostos macroeconómicos parecem atingíveis, embora o crescimento do PIB seja de menor qualidade pela queda da produção industrial e pelo aumento do consumo. Por isso, seriam desejáveis mais medidas de apoio à exportação, nomeadamente para as PME. O equilíbrio das contas públicas é também positivo, embora esteja facilitado por um cenário de juros baixos dificilmente sustentável por muito mais tempo.

No âmbito social, o reforço do investimento na saúde e noutros serviços essenciais é incontornável, mas infelizmente não se vê compensado por nenhum esforço de reestruturação de outras despesas menos necessárias. Sem uma maior orientação orçamental para ajudar as empresas a criar riqueza, nunca será possível sustentar políticas redistributivas generosas e continuaremos a orçamentar a distribuição da escassez em vez da abundância.