O segundo Observatório do Jornal Económico dedicado à habitação reuniu vozes do setor para analisar o impacto das medidas inscritas no Orçamento do Estado e no programa “Construir Portugal”. A redução do IVA para 6% na construção foi recebida com entusiasmo, mas o agravamento do IMT para não residentes foi criticado pelos intervenientes no debate.
Mariana Morgado Pedroso, CEO da Architect Your Home, destacou o potencial da descida do IVA como estímulo à atividade e ao investimento. “O IVA a 6% pode ajudar os promotores a desbloquear processos e tornar tudo mais apelativo do lado do investimento”, afirmou. A arquiteta defendeu ainda que o benefício deve abranger toda a cadeia produtiva. “A construção começa nos gabinetes de arquitetura e engenharia. Manter o IVA a 23% nestas fases não faz sentido e encarece o processo logo à partida.”
Nuno Durão, managing partner da Fine & Country Portugal, considerou a medida uma decisão de justiça económica. “Se o Governo não entende que a habitação é tão essencial como os bens alimentares, temos um problema. O IVA a 6% devia ter sido aplicado há muito tempo”, afirmou. Sublinhou ainda que “o benefício fiscal nunca tem custos se for bem aplicado”. Mas Nuno Durão foi igualmente claro quanto ao IMT para estrangeiros. “É um disparate. Não vai gerar receita significativa e transmite um sinal errado. O problema não é o valor, é o gesto — é dizer aos investidores que Portugal os penaliza por trazerem dinheiro.”
Manuel Maria Gonçalves, presidente da Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), reforçou a crítica: “O IMT é o calcanhar de Aquiles desta proposta. O seu impacto é reduzido, mas o sinal é negativo. Em contrapartida, o IVA a 6% é um passo importante, embora ainda ninguém saiba como o Estado vai aplicá-lo.”
Desburocratização e eficiência: o teste decisivo
Diogo Abecasis, cofundador do grupo MAP, classificou o IVA reduzido como “uma medida muito positiva”, sublinhando os incentivos à desburocratização e à industrialização. “Estamos no bom caminho, mas é fundamental concretizar. As medidas têm de ser claras, simples e ágeis, senão o efeito é o inverso: os promotores ficam em stand by à espera que sejam aplicadas.”
O gestor defendeu um sistema “transparente e funcional”, lembrando que “se for preciso pagar primeiro 23% para depois recuperar o valor de modo a ficar nos 6%, isso travará o investimento”. Para Diogo Abecasis, “a operacionalização é o ponto-chave para que o sistema funcione e crie confiança”.
Mariana Morgado Pedroso acrescentou que, para atingir a meta das 145 mil casas para habitação pública previstas no Programa Construir Portugal, “é preciso mão-de-obra, mas também uma mudança de paradigma e uma simplificação da construção”. Destacou ainda o recurso a tecnologias como o BIM (Building Information Modeling), que “permitem planear melhor, prever custos e acelerar a execução”, sublinhando que a digitalização do setor são essenciais para dar resposta à urgência habitacional.
Rendas moderadas e mercado de arrendamento
O debate abordou também as “rendas moderadas”. Para Nuno Durão, o Estado não pode desvalorizar a rentabilidade dos proprietários. “Ninguém coloca uma casa no mercado para perder dinheiro. O retorno do arrendamento tem de ser competitivo com a venda. Se o Governo quer mais casas para arrendar, tem de criar incentivos reais e apoiar a classe média.”
Manuel Maria Gonçalves reforçou que “há dezenas de milhares de casas prontas a entrar no mercado”, mas que isso só acontecerá “com equilíbrio entre senhorio e inquilino e medidas pró-ativas”. Para o responsável, “as benesses fiscais não chegam: é preciso estabilidade e visão de longo prazo”.
Diogo Abecasis lembrou que “em Portugal não há verdadeiramente um mercado de arrendamento” e que “o português típico gosta de ser proprietário”. Para o gestor, “as medidas do Governo são um estímulo, mas falta uma lei que proteja o senhorio e incentive a construção para arrendar”. Acredita que, com segurança jurídica e processos rápidos, “surgirão mais projetos e maior oferta de casas”.
Licenciamentos e fiscalidade: o Estado como travão
A morosidade do licenciamento foi outro dos temas mais críticos. “Cada ano de atraso representa mais 500 euros por metro quadrado no custo da construção”, exemplificou Manuel Maria Gonçalves. “Num investimento de 13 milhões de euros, o Estado arrecada 4,1 milhões em impostos e taxas, enquanto o promotor lucra 2,5 milhões. O verdadeiro especulador imobiliário é o Estado.”
O dirigente defendeu que o IVA a 6% “deve aplicar-se também aos projetos que iniciem a construção após a entrada em vigor da lei, mesmo que ainda estejam em licenciamento” e alertou que “2029 é pouco tempo para avaliar plenamente o impacto das medidas”.
Menos burocracia, mais execução
Apesar das críticas, todos os intervenientes convergiram num ponto: a urgência de simplificar e garantir estabilidade. “Se o Estado legislar bem e sair da frente, tudo se faz e o país ganha”, afirmou Nuno Durão.
Mariana Morgado Pedroso resumiu o sentimento do setor: “As entidades públicas têm de sair do caminho e deixar as empresas trabalhar”. Manuel Maria Gonçalves completou: “Estas medidas precisam de tempo e estabilidade até 2029 para mostrar resultados.” Caso contrário, consideram os participantes neste debate, ficamos a meio caminho entre o impulso e o travão num país que precisa dar resposta à crise habitacional.
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