Duas situações ocorreram esta semana que, por coincidência, se refugiaram por detrás da palavra “neutralidade” de forma a fugirem às suas responsabilidades morais e éticas.

Na sequência de uma recente lei húngara que proíbe a divulgação de conteúdo a menores que mostre ou promova a mudança de género ou a homossexualidade, com o argumento de proteger crianças de pedófilos, a cidade de Munique quis iluminar com as cores do arco-íris o estádio onde decorre a partida Alemanha-Hungria. A UEFA recusou autorizar essa demonstração solidária com o argumento de ser uma “organização neutra no campo religioso e político”.

Na sequência da mesma legislação húngara, 13 Estados-Membros subscreveram uma carta a condenar a lei que discrimina população LGBTQI+ pelo Parlamento da Hungria e a apelar à intervenção da Comissão Europeia. De acordo com a Secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Portugal não se associou à iniciativa porque “tem de se comportar como um mediador imparcial, e assumir um dever de neutralidade”.

Quando invocado, o princípio da neutralidade pressupõe que a entidade que o invoca se irá abster de participar em quaisquer controvérsias de teor ideológico, religioso ou racial, mantendo-se à margem das hostilidades de forma a ganhar a confiança do público. Mas será que o interesse público está realmente a ser aqui defendido?

Comecemos pelo futebol, esse negócio bilionário que move tantas paixões à volta do mundo.

Quando organizações como a Cruz Vermelha ou Médicos Sem Fronteiras se mantém leais ao dever de neutralidade em cenários de guerra, intuimos que a falta de neutralidade pode colocar as vidas de inúmeros civis em risco. Ao decidir não permitir este ato político, a UEFA está a mandar a mensagem oposta de ser indiferente às vidas que podem ser colocadas em risco por discriminação. O desporto sempre jogou um papel vital na promoção de diversidade e tolerância, mas já há muito tempo que a UEFA escolheu descartar esse papel. Que melhor exemplo do que permitir um torneio mundial no Qatar? O mal-estar irá agravar-se ainda mais com o Mundial 2022, tornando insustentável o desligamento entre futebol de alta competição e política, colocando os próprios clubes, jogadores e adeptos numa situação de cumplicidade com violações de direitos humanos.

Permanecer neutro perante estes casos de violações e desrespeito pelos princípios básicos da democracia torna-se moralmente repreensível, especialmente quando permite que certos grupos se tornem ainda mais vulneráveis a hostilidade, perseguição e agressão permanente. Alguém duvida que a legislação húngara irá apenas incentivar ainda mais violência ao equiparar homossexualidade a pedofilia?

Às vezes, na tentativa de sermos diplomáticos demais, de forma a não desestabilizar o barco, permitimos que a porta se abra a atrocidades. A História já se encarregou muitas vezes de nos mostrar que esse caminho é errado. Sermos neutros “é o preço a pagar”, diz a Secretária de Estado dos Assuntos Europeus. Quem vai pagar o preço pela passividade não é Portugal, mas todos os que são alvo de hostilidade no seio da União Europeia. Se deixarmos o cancro da intolerância alastrar, sabemos qual será o fim inevitável.