Um estudo da consultora Roland Berger, publicado em primeira mão pelo Jornal Económico na edição semanal de 12 de fevereiro, alertou que a forte adesão às moratórias de crédito poderão implicar uma reversão em 2021. A consultora aponta como fator de risco da banca portuguesa o elevado peso das moratórias no total de crédito do sistema, que é de 22% (o terceiro maior europeu), com uma expectativa de conversão de 14 a 21 mil milhões de euros de crédito em incumprimento. Isto é, estima que entre 30% a 45% do stock de crédito em moratória se transforme em malparado “no término do período”, resultando num aumento do rácio de NPL (non-performing loans) entre 5-7 pontos percentuais para os 10% a 12%. Muito longe da meta europeia de um rácio de 5% que os bancos almejavam antes da pandemia por Covid-19.
Em entrevista, António Bernardo, managing partner da Roland Berger em Portugal, analisa as possibilidades para suavizar o impacto do fim das moratórias, a necessidade de uma “transformação disruptiva” na banca e da consolidação no setor para ganhar economias de escala, produtividade e rentabilidade.
No vosso estudo apresentam uma estimativa de uma subida de entre 14 mil milhões e 21 mil milhões de euros nos non-performing loans quando as moratórias acabarem. Isto tem em conta o aumento dos depósitos?
O Banco de Portugal explicou no mais recente Relatório de Estabilidade Financeira que uma parte do total de crédito em moratória de 46 mil milhões está coberta pelo aumento dos depósitos, porque as pessoas estão a gastar menos e porque muitas pessoas pediram as moratórias não por quebra de rendimento, mas por precaução.
Nós temos a nível internacional, e depois especificamente para Portugal, um modelo econométrico que vamos atualizando trimestral e que tem um conjunto de variáveis que tem explicado muito bem a questão. Na realidade, o que vemos, e que testamos isso com o modelo, que este intervalo de 30% a 45% é um intervalo com 95% de segurança.
Portanto, embora termos visto que alguns dos pedidos de moratória não são necessariamente ligados à redução de rendimento. Estamos a falar no total de cerca de 50% particulares e 50% empresas, e achamos que com o nosso modelo, que foi atualizado recentemente, há essa segurança de 95%.
A questão é se fica na fase inferior do intervalo ou na fase superior. Tudo indica que vai estar do meio para cima.
O fim do período das moratórias aproxima-se, em setembro, com o provável ‘tsunami’ de malparado. Como é que se pode suavizar este impacto? Um prolongamento até estarmos numa fase mais avançada de recuperação económica? Poderá ser um prolongamento para os setores mais afetados?
Achamos que vai haver prolongamento. Pode ser um bocado ligado aos setores com mais problemas, mas não descartaria que fosse um prolongamento geral, porque as economias vão ter de, por um lado, manter liquidez e até aumentar essa liquidez, por exemplo dando liquidez a fundo perdido.
Há aqui dois temas que se reforçam. Um deles é claramente a mudança do comportamento dos consumidores. Aquilo que aconteceu, e não foi só em Portugal, em seis meses alterou-se o que os gestores dos bancos esperavam em seis anos. Na realidade houve uma aceleração brutal do comportamento na relação com os bancos. Muitos desses comportamentos já não voltam atrás e isso é uma grande oportunidade como vamos ver.
A segunda questão é a das moratórias. Os bancos portugueses, ao contrário do que muitas pessoas pensam, têm equipas de gestão de topo. Gestores que poderiam em bancos em Espanha, na Alemanha ou em França. Dizendo isto, os bancos já têm estado a trabalhar este assunto. Mas é insuficiente. Tem da haver uma transformação disruptiva. Não pode ser mais do mesmo, reduzir um bocado aqui, um bocado ali. Vai ter de se fazer uma transformação da forma como o banco atua. E essa transformação casa bem com essa mudança de comportamento.
Por um lado a transformação tem de ter uma redução de custos dramática, não pode ser de 5% ou 10%, tem de ser na casa dos 30%. Isso quer dizer repensar completamente as estruturas organizacionais. Elas continuam mais ou menos iguais, em termos de modelo, que eram há 20 anos. O que facilita hoje é que com a digitalização dos processos podemos reduzir custos e melhorar no serviço ao cliente. Portanto há aqui necessidade de uma revolução no modelo de negócio dos bancos.
É a oportunidade. Quando comparamos com a média europeia, reparamos que há aqui graves problema de produtividade. Por exemplo no número agências. Nos últimos cinco anos reduziram-se cerca de mil agências, mas se calhar temos de reduzir mil agências em dois anos.
A Roland Berger sugere a redução de 1.500 agências e 23 mil colaboradores. Em quanto tempo?
Isso é a comparação com a média europeia. Mas diria de forma muito clara que mil agências têm de ser reduzidas. Eventualmente não vamos chegar a essa redução tão grande do número de colaboradores. Mas estamos a falar hoje de um produto bancário de 123 mil euros por colaborador em Portugal, enquanto Espanha tem 594 mil euros, a Holanda 653 mil. Achamos que seguramente a redução deverá andar no mínimo nos 15 mil colaboradores.
E de forma acelerada?
Achamos que tem de ser de forma acelerada, em dois ou três anos. Alguns bancos vão ser mais rápidos que outros a fazer a transformação, porque na realidade tem de ser uma transformação holística, não pode ser redução, tem de ser de alteração de processos, por exemplo os comerciais, ou de processos mais pesados, como o crédito à habitação ou às empresas.
Nas agências, não é só a redução é a adaptação, algumas podem ser mais pequenas, os transacionais, pode haver grandes agências, as flagship. Acho que temos essa capacidade, tem de haver a vontade, senão vai ter um grande impacto na rentabilidade e nos NPL e a mesma coisa no cost-to-income.
Torna-se num ciclo vicioso. Se a banca precisa de fazer aumentos de capital, como é que os vai fazer com rentabilidade de 2%? Há aqui necessidade de transformação para uma ciclo virtuoso. E isso passa, na nossa visão, por alguma concentração.
O estudo recomenda uma fusão entre a CGD, o Millennium BCP e o Novo Banco. Um deles é um banco público. Como é que isso se equaciona numa fusão?
Não vemos problema aí. Talvez a três seja difícil, possivelmente a dois.
Mas estamos a falar em privatizar parte da CGD?
Não acho que seja privatizar, poderia ser uma troca de ações. O Estado poderia reduzir um bocada na Caixa, ficando com a maioria. Mas há necessidade clara de haver um banco que tenha uma dimensão crítica, economias de escala fortes, com base nacional, na casa dos 200 mil milhões, que já poderia ser cerca de quarto ou quinto a nível ibérico.
Mas há abertura política para isso?
Se não estiver a colocar esta questão entre nacionalizações e privatizações, acho que é uma questão de ver como a estrutura de capital fica. Se for bem explicado e se houver um racional forte, faz sentido. O que o Estado quer é um banco nacional forte. A Caixa fez um excelente programa de transformação, é hoje um dos bancos mais fortes do sistema e tem possibilidade de ser o consolidador. Não retiraria essa possibilidade.
Os outros bancos têm essa disponibilidade?
Menos. A Caixa tem claramente um propósito de ser um banco nacional forte, para ajudar a economia e as empresas. Embora a quota de mercado do cinco maiores bancos já seja elevada, eu acho que entre esses bancos faria sentido criar um banco de maior dimensão.
Mas também a nível dos médios banco poderia haver alguma consolidação. Com um objetivo claro: melhorar economias de escala, portanto melhorar produtividade, rentabilidade e serviço ao cliente.
Um desses cenários sugeridos pode envolver o Crédito Agrícola como consolidador no segmento médio, envolvendo eventualmente o Montepio. O Montepio tem um acionista que é a Associação Mutualista com 600 mil associados…
No estudo tentamos exemplificar. O Crédito Agrícola é hoje um grupo forte, diferente, que se transformou, uma boa liderança e um rácio de transformação baixo, de 65%. Lançou o Mooey, por exemplo, no digital. Poderá ser um consolidador. Não sabemos se quer, mas olhando de fora para esses fatores, poderia ser.
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