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“Envelhecer colectivamente é uma oportunidade”

Quem o diz é Maria João Valente Rosa, demógrafa e professora da Universidade Nova, para quem o modelo dominante de organização do ciclo de vida, segmentado por critérios etários, é cada vez mais disfuncional.
8 Dezembro 2019, 09h46

É recorrente falarmos de envelhecimento, quer porque o tema merece mais atenção, quer porque o “ser velho” é uma realidade cada vez mais presente na nossa sociedade. Mas se sempre se envelheceu, o que mudou mais recentemente para o tema passar a estar na ordem do dia? Três perguntas a Maria João valente Rosa, demógrafa e professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, autora do ensaio “O Envelhecimento da Sociedade Portuguesa”, publicado pela FFMS.

Há uma idade para se ser idoso?

Em termos estatísticos, há uma idade habitualmente utilizada para classificar alguém como pessoa idosa: os 65 ou mais anos. Em termos colectivos, também, por vezes, se faz a associação entre o ser-se idoso e a situação de estar reformado, na terceira fase do ciclo de vida.

Apesar de estas classificações serem socialmente aceites, elas são muito discutíveis, pois, do ponto de vista individual, não há uma idade ou um momento que dê início ao ser-se idoso. O processo de envelhecimento de cada pessoa faz-se de modo contínuo, e não aos “solavancos”. Quer isso dizer que ninguém adormece novo e acorda idoso e que, mesmo que existisse esse momento, ele seria diferente de pessoa para pessoa, pois o envelhecimento não é só determinado pela idade cronológica, mas também por outras idades, como a idade biológica ou a idade psicológica.

Defende que, pelas causas que o motivaram, deveríamos estar a festejar o envelhecimento da população. Por que razão, em sua opinião, tal não acontece?

Penso que não acontece por duas razões, essencialmente. Uma, por desconhecimento dos factos. A outra razão, talvez mais habitual, tem a ver com a inércia e a desresponsabilização perante a evolução dos factos.

O envelhecimento demográfico ameaça princípios e hábitos que herdámos do passado, de um tempo que nada tem a ver com o de hoje. E, aqui, os caminhos possíveis são dois. Um é encontrar, no dia-a-dia, paliativos para os dilemas que vão surgindo. Os problemas ganham escala, mas o tempo vai passando e “amanhã logo se verá”! Este modo de funcionar tem menos custos no imediato, mas semeia enormes prejuízos futuros.

Perante a gravidade dessas situações que vão escalando de intensidade, é mais fácil apontar o dedo ao envelhecimento, referindo esta tendência como um problema social, em vez de admitir que a causa esteve na incapacidade de mudar fosse o que fosse nas nossas vidas, enquanto indivíduos, mas também do ponto de vista dos poderes públicos, das organizações, etc.. O outro caminho possível, e realista, é focarmo-nos no que temos de mudar em termos dos nossos comportamentos, hábitos e princípios, para beneficiarmos desta oportunidade de estarmos a envelhecer colectivamente. Uma opção que acarreta custos no imediato. Por isso, é preciso coragem para a tomar.

Acha que a formação, o trabalho e a reforma devem ser vividos em fases diferentes da vida?

A vida é um contínuo, e não existe razão para separarmos os conteúdos das várias fases da vida, tal como se verifica actualmente. Parece natural que exista uma idade especial para a formação, uma idade para o trabalho e uma idade para a reforma, mas não é! Essa lógica leva à situação caricata de adormecermos numa fase da vida e de acordarmos noutra, sem nada ter acontecido no entretanto, para além de termos dormido.

Considero este modelo dominante de organização do ciclo de vida, segmentado por critérios etários, cada vez mais disfuncional. Por várias razões, a começar pelo conteúdo em que se foca cada fase da vida. Sabemos que (1) a formação ao longo da vida é necessária, tanto mais que a evolução do conhecimento faz com que muitos dos saberes que se aprendem quando se é novo rapidamente se tornem obsoletos; (2) o trabalho intenso nas idades centrais é gerador de um enorme desgaste e retira qualquer capacidade de, nesse período da vida, se desenvolverem outros projectos, ou pura e simplesmente se beneficiar de pausas de lazer; (3) a reforma implica frequentemente um esvaziamento relacional, pondo fim a muitas das relações sociais e profissionais anteriores.

Por outro lado, tal segmentação do ciclo de vida conduz, muitas vezes, a uma forte insatisfação em relação ao período ou fase que se está a viver: o aluno querer sair do sistema de ensino o mais depressa possível para poder trabalhar e ser independente; o activo ter, a determinado momento, saudades dos tempos de estudante e, mais tarde, o desejo de se reformar para ter descanso; o reformado, passados os primeiros anos de reforma, sentir falta da sua vida activa.

Com a terciarização da economia, com a revolução tecnológica dos meios de comunicação, com o valor que representa a informação e o conhecimento (o qual não diminui necessariamente com a idade), com o teletrabalho e com a existência de pessoas mais capacitadas e a viverem mais tempo, a anterior organização tripartida e cronologicamente segmentada do ciclo de vida perde sentido. Por isso, à pergunta “Que sentido faz insistir neste modelo de organização do ciclo de vida?”, a minha resposta é: Nenhum!

A autora escreveu para o Jornal Económico o ensaio “A idade sem razão”. Pode lê-lo aqui.

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