Uma vez mais, um governo manifesta a vontade de aumentar o número de escalões de IRS e de englobar todos os rendimentos que beneficiam de taxas liberatórias, de modo a que tenham um tratamento fiscal similar aos rendimentos de trabalho. Naturalmente, percebemos que uma maior justiça tributária é sinal de justiça social. Sabemos, também, que nenhum Estado de direito pode funcionar ou assegurar as funções básicas de soberania e promoção de igualdade de oportunidades – não confundir, já agora, com igualdade de resultados – sem uma base confortável de receita fiscal.

Isto dito, fazemos votos que a intenção de aumentar o número de escalões do IRS seja uma forma de desagravar os rendimentos do trabalho e não um pretexto para tratar como ricos os rendimentos e as pessoas que, em Espanha ou na quase totalidade dos países da União Europeia, seriam considerados apenas remediados.

Todos nos lembramos do enorme aumento de impostos que a falência da República Portuguesa nos impôs. Todos estamos ainda recordados do modo como foram sendo reduzidas as deduções com as despesas de saúde, os planos poupança reforma, as despesas de educação, as deduções consoante o número de filhos, entre outras. Obviamente, olhando para o passado recente e para a atitude de sucessivos governos, todos estamos legitimamente escaldados.

É claro que gostaríamos de saber que taxa efectiva de imposto vão pagar os gigantes tecnológicos que, assentes em motores de busca ou nas redes sociais, facturam centenas de milhões de euros com os residentes em Portugal. Gigantes tecnológicos que pouco ou nenhum emprego criam por cá, quase nada pagam de IRC e que usam preços de transferência, direitos de propriedade e conexos, para se furtarem a pagar impostos em território nacional.

Gigantes tecnológicos que sugam a comunicação social e os seus conteúdos, lucrando principescamente com o negócio da informação e da pesquisa. Gigantes tecnológicos que oferecem serviços financeiros sem pagarem impostos ou contribuírem para o Fundo de Resolução. A este propósito, já agora, quando é que ao Estado e aos seus organismos será vedada a contratação de serviços a empresas e entidades cujos beneficiários efectivos estejam em territórios de baixa, ou nula, intensidade fiscal?

Obviamente, causa-nos estranheza que os reformados estrangeiros estejam isentos de pagar impostos sobre as suas reformas, bem como as condições únicas oferecidas aos “vistos dourados” que quase nenhum cérebro atraíram e, portanto, nada, mas mesmo nada, nos trouxeram de novas tecnologias, de conhecimento, ou de estímulo ao desenvolvimento económico.

Continuar a fazer recair a carga fiscal, sob o falso argumento da equidade fiscal, apenas sobre os rendimentos dos remediados do trabalho, ignorando os exemplos acima referidos, apenas tornará os portugueses mais desencantados ainda com a actividade e a participação política. A justiça fiscal começa por resolver os problemas identificados. Não por taxar cada vez mais os rendimentos dos trabalhadores.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.