Pensamos demasiadas vezes a ecologia colada às atitudes de poupança e eficiência  que caracterizam o discurso económico habitual. Como se, pondo recursos naturais no lugar de capital, tivéssemos a racionalidade ecológica logo dada, exactamente nos termos de uma racionalidade económica de acumulação. E, com efeito, bem vistas as coisas, a premissa que leva à vontade de acumular capital é exactamente a mesma que leva à vontade de não despender recursos: consciência da escassez.

Parece paradoxal aproximar o pensamento ecológico ao pensamento económico vigente, a que tende a opor-se. Historicamente, a economia da escassez começou por presumir que os recursos naturais eram inesgotáveis, podendo por isso ser ilimitadamente mobilizados para a acumulação de capital. Mas a consciência posterior de que também os recursos naturais são escassos acabou por alargar a estes recursos o mesmo cuidado que se presta ao capital, ou seja, um imperativo ecológico como este: trata a natureza como se fosse o teu próprio dinheiro. E se, como notou Max Weber, foi a ética protestante que proporcionou os valores de poupança, conservação, acumulação e aplicação que caracterizam o espírito do capitalismo, não é muito abusivo extrapolar que são estes mesmos valores que vão moldando as nossas atitudes para com os recursos naturais.

Só que uma ecologia pensada assim é demasiado pobre. Na verdade, muito mais do que uma ecologia pensada como eficiência económica,  precisamos de uma economia pensada a partir de ideias ecológicas. Mas desde logo, uma ecologia não colonizada pela lógica da escassez e da competição da economia de bens privados, e onde uma lógica de abundância faça mais sentido.

Um exemplo simples. Imagine-se uma pequena casa, com quartos suficientes para todos, dotada de um sistema de energia solar inteiramente suficiente, o que aliás já poderia ser regra e não excepção. Num dia cheio de sol a entrar pelas janelas, crianças esquecem-se de apagar as luzes dos quartos. Surpreendentemente, talvez não seja preciso repreendê-las, fazê-las sentir-se culpadas, preocupá-las e preocuparmo-nos com o suposto desperdício de um recurso, o qual, na dada circunstância, excepção que confirma a regra, não é passível de ser excessivamente consumido. E um pensamento ecológico que subordine a economia, em vez de a ela se subordinar, deve perseguir “ideias solares” que não precisem de ser apagadas.

Devemos caminhar para uma economia em que este tipo de excepção se torne regra:  em vez de empacotar o sol, aproveitar as migalhas da sua energia; em vez de substituir a natureza, compartimentando-a, tornando-a cada vez mais bem privado – como já sucede até com os genes de espécies – adaptarmo-nos nós à sua proficuidade. Pensar ecologicamente a economia exige que se passe do paradigma da escassez para o da abundância. Isto significa também passar de uma concepção de natureza como bem privado, limitado, alvo de competição, para uma concepção de natureza como bem comum e público, partilhado.

Martin Heidegger, pode ter sido politicamente muito desprezível, mas pelo menos teve o mérito de antecipar, muito antes de existirem painéis solares, como a técnica moderna fazia mal em opor-se à natureza. No seu sentido original, na Grécia antiga, tekné implicava uma simbiose com a natureza. Um pensamento ecológico da economia é, tal como acontece com os painéis solares, fazermos os nossos processos de produção cada vez mais processos que acompanham processos naturais.

Podemos pensar num moinho de vento a aproveitar as forças naturais sem as diminuir (exemplo de Heidegger), em contraste com uma exploração extractiva que exaure recursos. Ou, no campo cada vez mais crítico da produção de alimentos, a sazonalidade da produção de fruta, com os seus tempos de escassez mas também as suas épocas de abundância, em contraste com a ansiedade por ter disponível toda a variedade de fruta todo o ano, importando-a do outro hemisfério, com elevado custo ecológico. Ou na espontânea diversidade de tamanho e aspecto da fruta em contraste com a sua padronização e normalização. Ou na produção agrícola e pecuária orgânicas e sem sofrimento desnecessário em contraste com a indústria da carne transformada na expressão mais extrema de desumanidade.

A forma como a produção tem sido concebida culmina numa tendência para a industrialização da natureza, destroçando os seus próprios processos de produção, massacrando-a com sofrimento atroz quando estão envolvidos seres sencientes. Inverter esta tendência e caminhar para a renaturalização da indústria, designadamente da alimentar, não se resume a um regresso idílico à produção não industrial e ao comércio local, numa lógica de comunidades e proximidade, escapando ao abraço de urso dos monopólios das grandes indústrias. Será uma inovação tecnológica no sentido certo, de  aproximação à natureza, pela compreensão e adaptação à inteligência dos seus processos, tomando-a por modelo em vez de a conformar a um modelo que a antagoniza. Uma tecnologia que nos proporcione viver das migalhas da abundância da natureza.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.