Se em tempos a “sustentabilidade” e o combate às alterações climáticas eram uma preocupação de nicho, hoje são o alfa e o omega da atuação dos Governos, das políticas públicas, dos investidores, consumidores e, também, das empresas.

É neste contexto que, em julho de 2021, a Comissão von der Leyen apresentou o Fit for 55: uma ambiciosa bateria legislativa que inclui propostas sobre o clima, a energia, o uso de terras / edificações, transportes, mobilidade e impostos e que transformará a economia europeia. O Fit for 55 almeja reduzir as emissões de CO2 em, pelo menos, 55% até 2030, em comparação com os níveis de dióxido de carbono na atmosfera no início dos anos 90 do século passado.

Em Fevereiro de 2024, o Conselho e o Parlamento Europeus chegaram a um acordo provisório para impulsionar a indústria verde na UE. O acordo – batizado de Net-zero Industry Act – facilitará as condições para investimentos em tecnologias verdes, simplificará os procedimentos de concessão de licenças e apoiará projetos estratégicos. O objetivo é cobrir 40% das necessidades da UE em produtos tecnológicos / estratégicos “verdes”, como painéis solares fotovoltaicos, turbinas eólicas, baterias e bombas de calor. Este instrumento legislativo, a par de outros aprovados nos últimos anos, acelerará a transição energética na UE e contribuirá para os objetivos de neutralidade climática em 2050.

Nesta conjuntura, a importância dos critérios ESG tem crescido exponencialmente no mundo corporativo. A integração destes critérios nas estratégias empresariais está, por isso, a transformar os modelos de negócio, as cadeias de valor e, por conseguinte, a forma como as empresas operam, produzem, compram e vendem. Assim, e porque o ESG é, também, uma fonte de novos value drivers – e.g. tecnologia e inovação, diferenciação de marca, eficiência operacional, acesso a capital, mitigação de riscos e atração / retenção de recursos humanos, etc. – importa refletir sobre as implicações fiscais – para lá da preparação, para efeitos de compliance, deste ou daquele ESG report –, nomeadamente em sede de preços de transferência.

Elenquemos, por isso, algumas das principais questões, desafios, riscos e oportunidades a ter em conta em matéria de preços de transferência:

  • Qualquer transformação ou restruturação do modelo operativo e da cadeia de valor que implique, por exemplo, uma relocalização das unidades de produção para locais mais próximos dos mercados de consumo ou para mercados com maior acesso a subsídios “verdes;
  • Considerações sobre o valor da marca – este ponto é particularmente importante para os negócios B2C – e sobre novos KPIs “verdes;
  • Qual o papel dos subsídios “verdes” quando atribuídos a empresas do Grupo consideradas de risco limitado e, portanto, qual o impacto financeiro e fiscal anual? No fundo, como é que a atribuição desses subsídios “verdes” se articula no contexto de um Grupo multinacional;
  • Como serão alocados os custos relacionados com a transformação e implementação dos critérios ESG e como serão distribuídos os lucros futuros decorrentes da transição energética;
  • Com a adoção e a implementação dos critérios ESG surge a necessidade de (re)alocar riscos e obrigações com expressão contratual. Ora, qual o momento adequado para uma revisão contratual intra-Grupo profunda e quais as consequências em matéria de afetação de custos versus proveitos?
  • Considerações sobre a criação de um departamento de ESG e a contratação de um Head of ESG: qual será o âmbito de atuação dessa equipa e como é que será integrado na estrutura de Governance do Grupo? Será uma mera função de compliance ou terá um lugar no Board e nas discussões estratégicas? Mais: qual o papel do Head of ESG em matéria de controlo (des)centralizado dos riscos ESG?
  • Os créditos de carbono enquanto importante instrumento para a transição energética: que critérios e que metodologia devem ser adotados aquando da sua compra-venda num contexto intra-Grupo e qual a sua relação com o perfil funcional das empresas relacionadas?
  • A relação entre os critérios ESG, o credit rating das empresas, o seu acesso a capital e a redução dos custos de financimento.

Set the scene, importa destacar que a adoção dos critérios ESG é, em si mesma, uma fonte de novos value drivers que, no limite, leverá a uma alteração do peso relativo dos distintos aspectos da cadeia de valor. Dito de outra maneira: a implementação das metas ESG poderá resultar na criação de novos values drivers – e.g. tecnologia e inovação, customer retention, reputação e brand strength, desenvolvimento de produto, etc. – e, consequentemente, numa (re)alocação do lucro / prejuízo residual pelas distintas funções da cadeia de valor e, portanto, numa (re)distribuição dos lucros e custos das empresas. Este é, aliás, o exemplo maximum de uma alteração estrutural da cadeia de valor que não resulta necessariamente de uma qualquer transformação strictu sensu do modelo operativo das empresas.

Neste contexto, importa destacar que o “Programa Acelerar a Economia” apresentado pelo Governo português no dia 4 de julho coloca especial enfoque na transição energética do tecido empresarial português ao incluir os critérios ESG no acesso a incentivos e contratos públicos. Tal como no caso do credit rating das empresas, a adopção dos príncipios e critérios ESG é, igualmente, um fator decisivo para a competitividade das empresas, uma vez que a sua implementação tornar-se-á um elemento distintivo quando o cliente é o Estado. Também por isto se torna essencial rever a política de preços de transferência garantindo que as driving ESG transformation entities são, efetivamente, remuneradas pelo seu papel na cadeia de valor dos Grupos.

Importa, por isso, realçar que novos value drivers têm implicações de preços de transferência e obrigam, por isso, a uma revisão do próprio modelo de preços de transferência que, em última análise, se alinhe com o novo modelo operativo “verde”.

Em suma: a adoção dos critérios e metas ESG já não é apenas um imperativo legal, mas uma tendência comercial e um fator de diferenciação concorrencial e reputacional. A sua implementação deve, por isso, ser olhada como uma oportunidade de acesso a novos mercados e a novos consumidores e um contributo para uma economia mais sustentável.