“Esta será a década de Espanha em África”, afirmou em Março último o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, que recentemente terminou uma visita de Estado ao continente, com uma passagem significativa por Angola, país que um responsável do executivo espanhol não visitava oficialmente há mais de 30 anos (o último foi Felipe González).
Esta simples frase demonstra em muito do que o Governo do país vizinho pretende nos próximos anos, com Angola a assumir um papel fulcral na política dos “nuestros hermanos”, ainda mais num período em que as relações entre Portugal e a sua ex-colónia estão em “banho maria”, para não dizer mesmo que são praticamente inexistentes nos nossos dias.
Não podemos negar que as relações bilaterais entre Portugal e Angola sempre sofreram oscilações ao longo da história, mas, e como defenderam alguns empresários e analistas recentemente, a passividade por parte do Governo português nos últimos tempos é notória, muito provavelmente devido às divergências provocadas pelo caso que envolveu o ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente.
Este “vazio” diplomático (e económico) parece querer ser ocupado de vez por Espanha, que encontra em África possibilidades de negócios para os seus empresários em áreas estratégicas, além de diversificar a sua economia para além da Europa e das Américas (e, na globalização, esse é um factor cada vez mais determinante na carteira económica dos países).
Se no passado a presença portuguesa em Angola era vista por parte dos próprios angolanos como fundamental para a sua capacidade produtiva e de crescimento, hoje tal não é mais uma realidade, como comprova aliás a balança comercial favorável a Portugal, que, ano após ano, tem diminuído a olhos vistos com a tendência de equilíbrio para breve, uma clara demonstração de que Angola encontra em outros parceiros soluções comerciais que antes eram entregues em exclusivo a Portugal.
Há duas áreas notórias em que Espanha parece encontrar em Angola um parceiro ideal para a sua expansão comercial (e, repetimos, expansão estratégica): a indústria petrolífera e a das energias renováveis.
Em relação à primeira, não podemos ignorar que o petróleo representa 50% do Produto Interno Bruto, 95% das exportações e 80% da receita pública de Angola, segundo maior produtor do continente. Apesar de há anos o país procurar diversificar a sua economia e limitar o peso da exportação de petróleo, a verdade é que Angola ainda continua dependente do ouro negro, como admitem os seus próprios políticos.
Já em relação às energias renováveis, um projecto em concreto demonstra como o país pode ser uma referência em breve no continente africano: com um investimento de 525 milhões de euros, o promotor norte-americano Sun Africa LLC, apoiado pelos governos da Suécia e dos Estados Unidos, começou a construir sete centrais fotovoltaicas no país, o que vai fazer com que Angola albergue o maior parque de solar fotovoltaico da África subsariana (a primeira pedra foi colocada no passado dia 11 de Março, em Biopio).
Mas o desejo do Governo espanhol era ampliar ao máximo a sua participação nas principais áreas económicas do país e conseguiu-o com a assinatura de vários acordos e memorandos em áreas como o transporte aéreo, pesca, segurança, defesa, agro-indústria, água, saneamento, tratamento de resíduos sólidos, hospitais e gestão sanitária, bens de capital, turismo, etc.
Este interesse de Espanha em Angola não é de agora, há alguns anos que os espanhóis têm conseguido vir a afirmar-se como parceiro comercial do país. Por exemplo, em 2020, Espanha foi o primeiro cliente europeu dos angolanos e o sétimo fornecedor.
Portanto, não foi por acaso que João Lourenço afirmou publicamente, no final da visita oficial de Pedro Sánchez, que Espanha é hoje o parceiro preferencial de Angola na União Europeia no processo de diversificação da sua economia tendo como objectivo acabar com a dependência excessiva do petróleo. E, para isso, é necessário investimento externo, com o Governo espanhol pronto a ajudar e a apoiar os seus empresários (há neste momento 82 projectos de origem espanhola avaliados em mais de 406 milhões de euros distribuídos pelos sectores da indústria, construção civil, prestação de serviços, agricultura e indústria extractiva).
Portanto, e ao que tudo indica, Portugal deixou de ser a solução para o presente e o futuro de Angola. Espanha resolveu assumir de vez esse papel, aproveitando uma certa letargia do Governo português. No mundo de hoje, não há tempo para viver do passado e exigem-se respostas imediatas. Entre o “vai ou não vai” da política portuguesa, Espanha assume-se de vez como a resposta desejada pelo Governo de Angola.