Visto como um dos sectores que maior dinâmica económica tem provocado a nível mundial nos últimos anos, o mercado imobiliário tem sido alvo de várias análises feitas por alguns especialistas e imprensa internacionais que antecipam uma crise nesta área de atividade em Portugal para 2023. Contudo, tal cenário não parece ser provável para os economistas ouvidos pelo Jornal Económico (JE).
“Não estou certo de que estejamos perante uma bolha clássica no mercado como um todo, porque há muitas aquisições que foram efetuadas sem crédito e a maioria das aquisições foi feita numa perspetiva de utilização própria ou de geração de rendimento (arrendamento), sem a intenção de vender rapidamente o ativo adquirido e que é o que normalmente caracteriza uma bolha”, refere Filipe Garcia, economista da Informação de Mercados Financeiros (IMF), acrescentando que os valores das rendas que são pagas acabam por dar algum suporte fundamental aos preços de venda. No entanto, assume que este facto não invalida que não possa haver bolhas em alguns segmentos ou localizações, nem afasta a ideia de que estamos perante uma alta de preços que poderá estar a acabar.
“Há uma grande diferença entre uma bolha que explode e que provoca um colapso de preços ou uma mera descida de preços em que o mercado corrige devido à alteração das dinâmicas entre oferta e procura. Creio que estamos muito mais perante este segundo cenário até porque já se nota uma diminuição no número de transações”, explica.
Ouvido pelo JE, o economista e professor universitário João Duque partilha da opinião de que a bolha pode rebentar nas casas mais caras, mas que “esse segmento não interessa porque esse tipo de compradores vive num mundo paralelo ao nosso, tal como não interessa nada fazer a média de preços em que os valores dos imóveis estão acima dos 800 ou 900 mil euros”.
Para o economista, o preço médio do m2 devia ser dividido em pelo menos duas categorias: abaixo e acima dos 750 mil euros. João Duque assume que de ano para ano tenta encontrar justificações para que os preços desçam, mas que tal não acontece, mostrando-se “admirado” quando vê portugueses de classe média a comprarem casas no valor de 600 e 700 mil euros. Olhando para o segmento das casas mais baratas, o economista considera ser fundamental saber os valores dos custos de financiamento e construção. “O problema é que tanto o custo de um, como o outro estão a tornar inacessíveis e como tal a diminuir a procura para esse tipo de casas”, salienta, realçando que não se sabe qual será a reação da oferta face a esse cenário, mas que a procura irá reduzir significativamente.
Em declarações ao JE, o economista António Nogueira Leite reconhece que alguns players do mercado estão apreensivos com o ano de 2023, numa altura em que continua a oferta nova continua longe da de outros tempos. “Estamos com uma situação relativamente idêntica ao passado face à procura que existe. Acho difícil haver uma debacle de preços, quando a oferta continua a ser inferior à procura”, defende.
De resto, o economista assume que a não ser que haja uma recessão relevante na economia portuguesa, não antevê também que o mercado leve a grandes quedas fora dos grandes centros e geografias mais suburbanas.
Pedir crédito habitação “vai ser uma dificuldade”
Outro desafio que poderá ser colocado ao sector imobiliário em 2023 é a previsível subida da inflação e taxas de juro e o impacto que poderão causar na hora dos compradores pedirem um crédito habitação. “Vai ser uma dificuldade, porque as próprias regras estão a apertar e isso vai criar uma redução da procura. Com o aumento ainda por cima dos custos da construção, isto vai reduzir significativamente a capacidade da procura dos agentes económicos, isso não tenho a mínima duvida”, afirma João Duque.
Para Filipe Garcia existem dois efeitos: “Por um lado, juros mais altos originam, naturalmente, prestações mais altas seja em taxa variável ou taxa fixa. Isso poderá obrigar compradores que recorram a crédito a baixar o montante total do empréstimo ou a utilizar mais capitais próprios”, explica, salientando que isso diminui a capacidade dos compradores de pagar preços mais altos, mas que nem todos recorrem a crédito nas suas aquisições.
Por sua vez, Nogueira Leite considera estar a convergir-se para uma situação normal. “O que estamos a tratar como anormal era o normal, ou seja as pessoas pagarem juros. Durante este tempo as pessoas pagaram um ligeiro spread, mas o indexante estava a zero ou negativo. Agora estamos a aproximar-nos de taxas históricas e portanto, há pessoas que deixam de conseguir aceder”, refere, assumindo que não vê uma evolução para para taxas de juro muito diferentes e melhores daquelas de 2012, 2013 e 2014.
O pacote de fundos europeus até 2029 contém largas fatias dedicadas à Reabilitação Urbana, que podem ser usadas para melhorar o para recuperar o parque habitacional e criar habitação acessível aos jovens. “Imagino que vai ser muita coisa para cooperação e reabilitação de coisas públicas e não tanto para a área da habitação”, diz João Duque.
Já Nogueira Leite assume que não tem qualquer objeção em que “o Estado e as Administrações Públicas usassem esse dinheiro para reabilitar alguns dos imóveis que têm nos centros urbanos e colocá-los ao serviço da habitação particular, seja por venda ou arrendamento”.
Perante toda esta situação, a questão coloca-se: o que deve o Estado fazer?
Filipe Garcia entende que o Executivo deve, “tanto quanto possível, deixar o mercado funcionar, seja do lado da procura como – e isto é muito importante – do lado da oferta, pois há muitas queixas acerca dos entraves estatais à construção e reabilitação”.
Por seu turno, Nogueira Leite defende que o Estado deve optar por mexer pouco nas regras. “Mais do que apoios, os promotores e investidores precisam de estabilidade. Acho que o Estado deve ter regras claras, agilizar com muita transparência o licenciamento, porque não é o facto de ele ser longo que o torna mais transparente”, realça.
Já para João Duque, o Governo devia disponibilizar muitas casas em regime de renda mais favorável, até para pressionar o mercado, mas não excessivamente.
“Outra hipótese é baixar significativamente ou acabar com o IMT [Imposto sobre Transmissões Onerosas de Imóveis] e compensar com o IMI [Imposto Municipal sobre Imóveis], particularmente discriminando casas arrendadas e com rendas de acordo com o valor do mercado”, conclui.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com