O resultado das eleições agravou a instabilidade política que o país atravessa há vários meses.

Como diria Monsieur de La Palisse, dado que todos os outros partidos rejeitam a hipótese de celebração de um acordo de governo com o Chega, só serão possíveis soluções de governo minoritário. Que, por definição, estão sujeitos a ser derrubados a qualquer momento por efeito de coligações negativas.

Um governo do PSD terá o apoio seguro de um máximo de 91 deputados, o mesmo que a soma dos deputados eleitos por todos os partidos de esquerda (incluindo o PAN) se todos os deputados da emigração forem eleitos pela AD. Este será o cenário de maior estabilidade, uma vez que o conjunto de partidos de esquerda só conseguirá aprovar moções de desconfiança ou inviabilizar a aprovação de Orçamentos do Estado se o Chega apoiar tais iniciativas. Mas basta que um seja eleito pelo PS (ou pelo Chega) para que os deputados do PSD, IL e CDS juntos sejam em menor número do que os da esquerda.

Um governo de “bloco central” garantiria apoio parlamentar, mas não seria estável. A tentação tanto do PSD como do PS seria no sentido de preparar uma nova eleição, assumindo uma posição de distanciamento relativamente ao governo que ambos integrariam. Foi o que se viu entre 1983 e 1985.

Estamos assim à mercê de possíveis coligações negativas que se formem espontaneamente. Ora, as coligações negativas são, por definição, oportunistas e desprovidas de coerência interna. Ou seja, é possível conceber uma coligação dessa natureza entre o PSD e o Chega para derrubar um governo do PS, porque a ideia de “ser de direita” pode ser entendida como justificando um foco de união pontual num conflito maniqueísta que visa retirar a esquerda do poder, e não é de todo impossível que, num determinado momento, o PS e o Chega derrubem um governo do PSD. Mas um e outro destes casos traduz apenas a coincidência oportunista de ser “do contra”.

Em princípio, nem num caso nem no outro a coligação momentânea para conseguir o derrube de um governo reflectirá um alinhamento gerador de uma estratégia de governo alternativo. Isso é fácil de ver no caso de uma votação conjunta PS-Chega contra o PSD.

E tal como se afirma que existem diferenças de fundo entre as distintas formações políticas de esquerda, também as há na parte direita do espectro político. A experiência da “geringonça” não atenuou as divergências que existem entre o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda relativamente a princípios, objectivos e métodos. Foi por isso que foi apenas um acordo de base parlamentar, não de governo.

O mesmo se passa entre o PSD e o Chega, por muito que André Ventura afirme que existem forças vivas no PSD que são favoráveis a um entendimento para criar estabilidade governamental. Enquanto o Chega apenas agitar a ideia de que é “de direita” sem esclarecer o que isso significa, e que sem ele não existirá um governo “de direita”, continuará a ser um pólo agregador de protesto, não sendo visto como um partido político que garanta a coerência e estabilidade internas necessárias para oferecer sustentação a um governo.

Prevejo, por isso, um cenário de continuidade de instabilidade e de governo de curto prazo. A não ser que o Presidente da República quebre os seus próprios precedentes, e aceite que um governo minoritário apresente um novo orçamento ou substitua o seu líder. Se Marcelo for coerente com Marcelo, teremos novas eleições em breve.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.