Numa era marcada por uma profunda intersecção de avanços tecnológicos e cultura de consumo, a ênfase na personalização tornou-se mais do que uma mera tendência, evoluiu para uma “condição psicológica”. Produtos, experiências e até relações são filtradas através de uma lente de preferência pessoal, reforçando os princípios psicológicos do egocentrismo e narcisismo.

O desejo de moldar o ambiente aos gostos individuais pode ser rastreado até uma necessidade psicológica de controlo e afirmação. A tecnologia facilitou este processo através de algoritmos e serviços personalizados que atendem às preferências individuais, criando assim uma bolha onde as vozes discordantes e ideias desconhecidas são filtradas.

A emergência dos assistentes pessoais personalizados aprofundará ainda mais esta tendência. Com o aumento da inteligência artificial e da aprendizagem automática (Machine Learning), os assistentes pessoais tornar-se-ão cada vez mais adaptáveis às preferências e comportamentos individuais. Eles não facilitarão apenas a vida diária, mas irão também refletir e reforçar as inclinações e preconceitos do utilizador. Assim, estes assistentes poderão inadvertidamente encorajar o isolamento de perspetivas contrárias e a formação de bolhas, solidificando ainda mais o foco no eu.

Do ponto de vista psicológico, o foco intenso em si mesmo pode ser ligado aos fenómenos do narcisismo e das câmaras de eco. Tal como o título sugere, tornamo-nos cativos de nosso próprio reflexo, fixados num espelho que apenas amplifica e valida o nosso próprio ponto de vista. O narcisismo, caracterizado por um amor exagerado por si mesmo e uma preocupação consigo mesmo, manifesta-se na busca constante de experiências personalizadas.

Essa ânsia de afirmação e validação pode criar um ambiente psicológico onde pensamentos, crenças e desejos nunca são desafiados, levando a uma falta de empatia e compreensão de pontos de vista diferentes.

A construção de câmaras de eco/bolhas agrava ainda mais esta condição. Ao rodearem-se de indivíduos e conteúdos personalizados, tornam-se isolados de perspetivas diversas. Isso leva a uma homogeneização do pensamento à falta de pensamento crítico.

Além disso, a tendência para o egocentrismo tem implicações nas relações interpessoais. Ao focar-se apenas em si mesmo, pode haver um descuido das necessidades emocionais e pontos de vista dos outros. Isso pode levar a uma quebra na comunicação, empatia e, finalmente, a uma falha em forjar conexões significativas.

As consequências desta mudança cultural para o egocentrismo e a personalização são profundas e de grande alcance. A falta de empatia, a construção de câmaras de eco/bolhas e a negligência de perspetivas diversas contribuem para uma sociedade cada vez mais fragmentada e polarizada.

A frase que ouvi no podcast de Jason Calacanis “Estamos a namorar-nos a nós mesmos” foi o clique para o artigo deste mês e encapsula de forma apropriada a condição atual onde as pessoas estão preocupadas consigo mesmas em detrimento do outro. Esta tendência, impulsionada por avanços tecnológicos e uma cultura de consumo que enfatiza a personalização, tem implicações psicológicas e sociais profundas. Alimenta uma cultura de narcisismo, cria estagnação intelectual e mina o próprio tecido da empatia e compreensão que une a sociedade.

Um esforço consciente para reconhecer e desafiar esta tendência é essencial. Envolver-se com perspetivas diversas, cultivar a empatia, não julgar e incentivar o pensamento crítico são passos vitais para criar uma sociedade mais inclusiva e empática. É crucial usar a personalização como um meio para estabelecer conexões mais fortes e empáticas, e não como uma forma de nos isolar em bolhas de conforto.