A semana passada a AR ouviu as duas partes envolvidas no caso da exposição de fotografias de Mapplethorpe em Serralves. E aí está um exemplo em que alguém que tinha todas as condições (e razões) para sair de forma airosa perante a opinião pública se afoga num mar de contradições, equívocos e inexplicáveis silêncios. Refiro-me, é claro, ao  Conselho de Administração de Serralves que acabou por meter os pés pelas mãos com medo que a palavra censura lhe caísse em cima.

A palavra censura é daquelas que tem um peso brutal nas modernas sociedades democráticas. Mais ainda quando a história recente regista verdadeiros e institucionalizados casos de censura, como ocorreu em Portugal durante o Estado Novo. Daí que, quando a palavrinha se aproxima, toda a gente se ponha ao largo (ou invente novas expressões para não tropeçar nela). Mas convém não meter tudo no mesmo saco e, sobretudo, não confundir “género humano com manuel germano”.

A liberdade de criação é das mais amplas. Mas os limites da expressão e divulgação dessa criação existem e são muito claros quando se trata de crianças (ou de forma mais precisa “menores”). A pretexto da criação não é tolerável a ofensa à integridade formativa das crianças. Sendo matéria que em primeira linha diz respeito aos pais, que devem preservar, acautelar e decidir dessa integridade, a verdade é que o Estado democrático a ela não pode ficar alheio.

Os limites etários de classificação de espectáculos públicos traduzem essa preocupação. Nestes casos trata-se de arte (cinema, teatro, etc.), mas ainda assim com limitações de acesso em função da idade. O que espanta é não existir legislação para definir acessos a exposições e quejandos. E era justamente nesse sentido que a Administração de Serralves deveria ter falado.

Concordamos em que o critério artístico das exposições cabe ao programador cultural (embora as suas opções não possam deixar de ser especialmente escrutinadas, dado tratar-se de entidade financiada pelo Orçamento Geral do Estado) mas a entidade gestora tem outras obrigações: velar pelo cumprimento de direitos e deveres (protecção da criança) mesmo que não exista legislação específica na matéria. A Constituição da República Portuguesa dá-lhe autoridade para tal. Ora, se foi esse o critério da Administração poucos duvidarão do seu acerto. Pena que não o tenha dito desde a primeira hora de forma clara e definitiva.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.