Não fosse a silly season e a “notícia” teria feito as delícias de muitos comentaristas fortuitos e opinadores da moda. E, em seguida, desaguado com estrondo na destilaria de ódio que são hoje as redes sociais. Segundo o Jornal de Notícias (JN), as dívidas das rendas em bairros sociais ascendem a 48 milhões de euros. As parangonas não escondem o objetivo da manchete: polémica a rodos, cliques, partilhas e muitas discussões. O rastilho estava aceso, era só deixar arder.

Alguns dos habituais aproveitadores políticos ainda terão afiado as facas, mas a conselho dos assessores terão guardado a iguaria para mais tarde, talvez logo para a rentrée. Fica, portanto, a marinar. Conta o JN que a Área Metropolitana de Lisboa é a que mais deve. Talvez por ser a maior e a mais populosa, arrisco. Os concelhos de Loures, Oeiras e Lisboa serão, por esta ordem, onde grassa a maior taxa de incumprimento.

Pau que nasce torto…

Cingir-me-ei ao primeiro, o que melhor conheço. Com uma taxa de incumprimento perto dos 40%, Loures acumulará cerca de dez milhões em rendas devidas ao município. Apesar da tentativa clara por trás da peça, os números, ainda assim, não assustam.

Historicamente, Loures é um concelho com problemas sociais significativos, nomeadamente no que toca à habitação. A década de 70 do século passado acentuou a disseminação de bairros de habitação precária por várias freguesias. Em 1993, o PER – Programa Especial de Realojamento – criado pelo decreto-lei 163/93, promoveu o início do fim destes bairros. O programa conheceria adiamentos sucessivos no concelho de Loures, tendo sido formalmente concluído em 2009. Mas o fim do PER não foi o fim dos bairros de habitações precárias no concelho. Basta ver o caso do Bairro da Torre, onde, ainda há poucas semanas, 13 famílias ficaram desalojadas depois de um intenso incêndio que deflagrou no local.

A Expo’98 fez apressar os realojamentos, muitas vezes sem critérios, sem planos nem estratégia. O objetivo era eliminar as incómodas barracas a tempo da chegada dos primeiros turistas e libertar as áreas necessárias para a construção de estradas, autoestradas, pontes e viadutos. Fosse como fosse, desse por onde desse. Sem olhar a condicionantes de ordem social, étnica ou cultural. Foi neste cenário caótico que nasceram alguns dos bairros sociais mais problemáticos de Loures, casos da Quinta da Fonte, na Apelação, e da Quinta do Mocho, em Sacavém.

Não bastam os grafítis nas paredes

Feita a breve resenha histórica para enquadrar o leitor, debrucemo-nos sobre a “notícia” do JN. Imagine que tem de optar entre as refeições dos filhos, o bilhete de autocarro e a conta da luz. Ou entre um par de sapatos em segunda mão, um medicamento urgente e a renda da casa. Estes breves exercícios imaginários são uma realidade diária para a grande maioria dos moradores destes bairros.

Acresce a estas – para muitos inimagináveis – contingências económicas e sociais, um sentimento de abandono geral e uma desesperante falta de perspetivas de futuro. Criar bairros sociais sem estratégias de inclusão, programas de desenvolvimento, criação de emprego ou iniciativas comunitárias que promovam o sentimento de pertença é como plantar um jardim sem regar as flores. Passado algum tempo, só sobram ervas secas.

E é isso que tem sucedido nos bairros sociais de Loures, onde iniciativas de sucesso, como o Teatro Ibisco, são abandonadas à sua sorte, onde o Contrato Local de Segurança com a PSP já conheceu melhores dias e onde se prefere ilustrar os prédios com grafítis do que reparar os telhados ou limpar as caleiras.

É justo dizer que faz falta ao concelho de Loures uma verdadeira estratégia para os bairros sociais: que inclua os moradores, que aposte em mediadores de bairro, que ouça os problemas das pessoas, que mantenha as habitações em bom estado, que crie equipamentos sociais, desportivos e de lazer e que promova o emprego, os negócios locais e a diversidade cultural.

Porque a maioria dos moradores destes bairros são pessoas honestas, extremamente trabalhadoras e que, como eu e o leitor, sonham com um futuro melhor para os seus filhos. Só que, quando olham para o fundo do túnel, tudo o que veem é um enorme vazio.