Ontem, numa das minhas incursões diárias pelo Facebook, o meu feed começava com um post do Luís Aguiar-Conraria sobre a nova proposta do Bloco para combater a especulação imobiliária. A ideia passa por penalizar quem compra e vende activos imobiliários com um grande lucro num curto período temporal, e, segundo a coordenadora do partido, estará, desde Maio, em negociação para o OE 2019.

Catarina Martins diz ser esta “a única forma de travar a bolha especulativa imobiliária” em Portugal. Ora, esta frase tem tantas imprecisões que o difícil é escolher por onde começar.

Para alguém que defende uma maior descentralização e relevo dado ao interior, a coordenadora do BE é bastante precipitada em extrapolar para o país inteiro uma realidade predominantemente lisboeta e portuense. Assim sendo, e apesar de estes dois centros urbanos concentrarem quase um terço da nossa população, parece-me desadequado legislar para todo o país com base numa parcela da população.

Além disso, e sem menosprezar a dificuldade que é arrendar, neste momento, casa na capital ou na Invicta, a análise a este fenómeno ignora a queda do mercado imobiliário aquando da crise de 2008, bem como as rendas congeladas vindas ainda do tempo do Estado Novo – se parte da subida generalizada dos preços de arrendamento em Lisboa é, de facto, de natureza especulativa, parte também é um retorno à média. Mas o erro fundamental desta medida passa pela avaliação de que é esta a “única forma” de reverter a situação nos centros históricos, quando me parece que só a agravaria.

O BE defende que os preços estão acima do seu ponto de equilíbrio, ou seja, existe mais procura do que oferta; vou deixar um aluno do primeiro ano de Economia explicar a imbecilidade desta afirmação. Mas e então se, em vez de penalizarmos proprietários (ainda mais do que os 28% no IRS que vieram com a austeridade que, dizem, já acabou, mas aparentemente deixou cá vestígios), que durante anos se viram como substitutos do papel do Estado Social na providência de casas, aproveitássemos edifícios públicos e desocupados, requalificando-os para habitação e, assim, criando mais oferta a preços acessíveis?

Não seria esta uma melhor opção, Catarina, do que criar ainda mais entraves ao arrendamento, que provavelmente resultariam numa contracção da oferta ou na transferência da incidência do imposto para o arrendatário? É que se a oferta contrai mais, ou damos uma de Bolsonaro e diminuímos a procura (leia-se “matamos uns quantos”), ou – surpresa! – o preço vai subir ainda mais.

Em países como a Bélgica ou a Alemanha existem taxas parecidas, que castigam quem compra e vende casas num intervalo curto; mas, em ambos os países, o Estado é um senhorio extenso, com inúmeros imóveis. Também na Holanda existem limites impostos às rendas nos centros históricos, determinados por zona e em função da relevância social e histórica do imóvel – mas sempre com a devida compensação aos senhorios, que não poderão suportar o ónus da política social de arrendamento de um Estado.

Aqui, continuamos a diabolizar os senhorios, caracterizando-os como capitalistas gananciosos e sem consideração pelo direito constitucional à habitação; no entanto, quando se constata que um certo opositor à especulação é, na realidade, ele próprio um especulador, rapidamente os seus camaradas imitam Trump e chamam de “falsas” às notícias que o desmascaram, ou confessam eles próprios arrendarem imóveis “ao preço que estavam dispostos a dar-me”, ao mesmo tempo que continuam a afirmar que esses mesmos preços vão expulsar a classe média das cidades portuguesas (um mea culpa, será?).

Continuamos, portanto, na senda do populismo acéfalo, que propõe soluções que não as são para um problema mais complexo do que se pinta. Luís Aguiar-Conraria terminava o post dizendo que “esta gente não existe”. E eu respondo: ai existe, existe. E até devem ser mais do que pensamos.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.