1 O ‘não’ da Associação 25 de Abril (A25A) à Iniciativa Liberal para desfilar na manifestação da Avenida da Liberdade, em Lisboa, é um sintoma de como os sectores mais conservadores da velha esquerda se tornaram agrestes e ressequidos em obediência à utopia de que foram ungidos como guardiões da Democracia e da Liberdade.
Começa a ser tempo de dizer a essas pessoas que a Liberdade é muito mais do que os conceitos que lhes ficaram na cabeça desde 1974; que o mundo já não está apenas dominado pela ferrugenta visão do Trabalho versus Capital; que as pessoas têm novas necessidades e que estas, obviamente, se refletem em outras ideias de organização da sociedade; que Portugal lhes pertence tanto quanto pertencia a Salazar ou Caetano; que não há portugueses bons, os deles, e os maus, os que não estão inscritos na Associação ou nos partidos e sindicatos do sistema cristalizados numa certa “comissão organizadora”.
O pior que pode acontecer a uma pessoa ou a uma organização, por maioria de razões a um país, é ficar parado no tempo, refém de conceitos desadequados, entregue a vigilantes e a inquisidores, mesmo que de ideias e opiniões.
2 Vivi os anos da Liberdade conquistada na escola e nas ruas. Passei pelas reuniões de alunos, frequentei comícios, agradeci aos capitães de Abril pela disponibilidade, percebi as tensões (na Junta de Salvação Nacional também houve Galvão de Melo e Spínola ao lado de Rosa Coutinho). Soube apreciar a coragem de Mário Soares e Sá Carneiro no momento em que foi preciso visão estratégica e convicções. Nunca confundi o discreto Salgueiro Maia com o depois terrorista Otelo (condenado por crimes de sangue e indultado por gente generosa), nem Melo Antunes com Vasco Gonçalves. A Fonte Luminosa foi um marco e o 25 de Novembro de 1975 complementar do 25 de Abril, mesmo que, hoje, a liturgia ainda o não consagre e os militantes da extrema-esquerda que andaram com G3 no porta-bagagens tenham vestido o hábito de impolutos democratas.
3 E é por isso que lamento que a A25A (na qual distingo, com consideração pessoal e histórica, Vasco Lourenço, o presidente) tenha permitido isto e de forma hipócrita. É óbvio que não são “os condicionamentos sanitários” que deixaram de fora a Iniciativa Liberal, e também o Volt. Não, não foram. Essas organizações ficaram teoricamente de fora (porque prometem juntar-se no terreno) apenas devido às ideias e ao fator político-partidário. No pensamento da velha gente, que vai da ala mais à esquerda do PS até ao PCP e à CGTP, passando pelo BE e o Livre, “eles” até podem ser democratas – porventura isso concedem -, mas não são “puros” e serão perigosos, pelas ideias.
4 Não serei eu quem afirme que, sobretudo na Iniciativa Liberal, não se tivesse pensado neste processo com cálculo político. Que seja! Mas isso é irrelevante para o que está em causa. Alguém que se diz democrata e queira assinalar o regresso da Liberdade não pode deixar de olhar para a sociedade de forma inclusiva. A A25A tem a obrigação de ser uma casa de acolhimento de todos os portugueses que reneguem a ideia única, qualquer que ela seja. Neste caso, as pessoas que restam dos ‘capitães de Abril’ não estiveram à altura – e muito menos lhes fica bem que se escondam atrás de uma denominada “comissão promotora”, que oficial e formalmente será a responsável pelo desfile.