O número avassalador de vítimas da Covid-19 não permite dúvidas sobre a pouca preparação de muitos daqueles que, na conjuntura presente, estão à frente dos países. Uma realidade preocupante sobretudo nos regimes de democracia representativa onde a responsabilidade terá de ser obrigatoriamente partilhada pelos governantes e por quem lhes confiou a representação.

Na verdade, não se afigurou fácil descortinar as estratégias governamentais logo que o vírus surgiu na China. Talvez porque a atitude inicial tenha assentado na falta de estratégia, ou seja, negar ou ignorar o problema e esperar que, qual passo de magia, o vírus se evaporasse ou que a providência, mais do que a ciência, o destruísse. Uma revisitação do adágio ligado a São Tomé, só que trocando o “ver para crer” pela fórmula “fingir não ver e crer na providência”.

O preço – humano, social e económico – decorrente desta atitude foi elevado, mas não o suficiente para que muitos governos acautelassem devidamente a segunda vaga que já sabiam inevitável. Daí o aumento exponencial de infetados e de vítimas mortais que a pandemia está a provocar. Tudo porque os governos esperaram sentados pela chegada da nova vaga e não prepararam as instituições para a situação que a comunidade científica antecipava.

O clima de pânico quase generalizado que se está a apoderar dos profissionais ligados à saúde, bem como dos utentes que se veem obrigados a deslocar aos hospitais, constitui prova inequívoca de que o sistema está a rebentar pelas costuras da dignidade humana, num arrepio claro ao estipulado nas Constituições.

Neste cenário de catástrofe social, os governos veem-se obrigados a tomar medidas visando diminuir a propagação do coronavírus. Daí a imposição de novas modalidades de confinamento. Por isso, o apelo à colaboração cívica da população. A chamada para compartilhar responsabilidades.

Pena que os governos não tenham tirado uns breves minutos, preferencialmente antes da chegada do vírus ou, como mal menor, no intervalo entre as duas vagas, para lerem o Relatório Beveridge encomendado por Churchill, em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial.

Então, no cenário de caos decorrente dos bombardeamentos alemães às cidades inglesas, o primeiro-ministro britânico percebeu que era preciso antecipar a situação com que o seu país se viria a confrontar quando os exércitos de sobreviventes regressassem a penates. Eram cinco os gigantes a vencer, e os seus nomes suficientemente aterradores: fome, doença, miséria, ignorância e ociosidade.

A atuação dos diferentes governos democraticamente eleitos nas duas vagas da pandemia é mais compatível com a ignorância e com a ociosidade do que com aquela que deveria ser a sua função de proteger as populações. Garantir-lhes que o Estado Social é uma realidade e não apenas uma figura constitucional.

A presença quase contínua de figuras da governação nos meios de comunicação social parece destinar-se a transmitir a ideia de que estão a fazer tudo aquilo que está ao seu alcance para evitar o caos. Algo semelhante ao provérbio que fala de “sopas depois do almoço”. Pena que a incúria governamental se vá encarregar de retirar o almoço e a vida a muitos cidadãos.

A Declaração de 1789 estipulou o que era proibido ao Estado. A de 1793 acrescentou o que o Estado era obrigado a fazer. Só que é grande a diferença entre o Estadista e o profissional da política.