Travanca de Lagos, Oliveira do Hospital. Percorro mentalmente os lugares onde me divertia na infância. Ao verde de outrora, sobrepõe-se agora o negro da fuligem e, aos risos de primos e amigos, um silêncio esmagador. As dificuldades são imensas. Falta tudo, até um simples copo para beber água!
Em Lisboa discute-se. Discute-se muito. Fala o primeiro-ministro. Altivo e arrogante, com a atitude própria de quem achou que deveria continuar a banhos quando o pais ardeu há quatro meses. Diz que “vai voltar a acontecer”. Fala depois o Presidente. Humano, solidário e consciente. Puxa dos galões, insinua mas, na realidade, não diz exatamente ao que vai. Já não precisa. Horas antes, o CDS anunciara-lhe a apresentação de uma moção de censura ao Governo. Astuto como é, sabe que PCP e Bloco farão o resto. A ministra vai cair!
Chovem argumentos para explicar o segundo infortúnio em menos de quatro meses. Ganha força a tese dos eucaliptos mandados plantar por Assunção Cristas, ainda sem tempo de crescer, e da desertificação do interior, apesar dos incêndios se terem estendido por todo o país até às portas de capitais de distrito como Braga, Leiria, Aveiro e Viseu. Tais argumentos procuram, sobretudo, ignorar e lançar uma cortina de fumo sobre o óbvio: a cadeia de comando da proteção civil falhou e falhou em toda a linha!
A hierarquia não funcionou e a falta de experiência decretou que se negligenciasse o facto de 2017 ser um ano de temperaturas anormais. O “copy/paste” impediu a mobilização de meios por mais tempo que o habitual. Decretou também que ficasse à vista desarmada aquilo que quatro meses antes já se havia tornado evidente (como, de resto, atestam os dois relatórios independentes sobre a tragédia de Pedrógão), i.e., que é um mau princípio nomear amigos para lugares de chefia e, mais grave, que é um mau princípio nomear pessoas sem currículo para lugares de responsabilidade. Opções que ficarão para sempre coladas a este Governo como uma tatuagem da sua incompetência, apenas tolerável pela falta de vergonha de quem se acha no direito de lamentar as férias que não tirou, ou que os incêndios se combatem com baldes à porta de casa.
Todavia, à esperança da substituição da ministra por competência em matéria de proteção civil, opôs-se a nomeação de um “Goebbels”, cuja primeira missão é a de controlar a propaganda e fazer o controlo de danos. As vítimas, essas, podem esperar! Se dúvidas houvesse, bastaria consultar o curriculum do novo ministro da Administração Interna (ver aqui), ou visualizar a paródia por si protagonizada, em 19 de novembro de 2014, com Paulo Núncio, à data secretário de Estado das Finanças (ver aqui). A sua missão é salvar o PS, não salvar vidas! A triste escolha do cenário para a entrevista do primeiro-ministro, esta semana, no quartel dos Bombeiros da Pampilhosa da Serra, é disso um sinal bem evidente.
Regressando à moção de censura e à economia, a sua consequência mais imprevisível será a de dar força ao PCP e ao Bloco de Esquerda na negociação do Orçamento do Estado. Se antes da tragédia, António Costa até poderia negligenciar os seus parceiros, principalmente depois dos desaires de Comunistas e Bloquistas nas autárquicas, após os incêndios e após a moção de censura, o figurino mudou substancialmente. Se o Orçamento já espelhava uma clara guinada à esquerda, nomeadamente na questão dos recibos-verdes – sobre os quais recai uma tributação absurda –, será também de esperar o agravamento da tributação sobre as empresas, em particular sobre as grandes empresas (via aumento da derrama estadual).
O preço que o país terá de pagar por esta fidelidade canina agrava-se a cada dia que passa e a verdadeira extensão desta tragédia apenas será conhecida aquando da apresentação da versão definitiva do Orçamento do Estado. Uma coisa, porém, parece evidente: o estado “Charlie”, para famílias e empresas, é para manter nos próximos tempos!