Depois da onda de críticas desencadeada pela decisão de proibir a circulação de pessoas entre concelhos, por ocasião do Dia de Finados – com o próprio Supremo Tribunal Administrativo a qualificar essa proibição como uma “recomendação agravada”, cujo incumprimento não poderia ser “juridicamente punível –, o Governo viu-se forçado a pedir ao Presidente a declaração do estado de emergência.
O Presidente tinha feito saber que não tolerava mais inconstitucionalidades e o Governo lá foi, a contragosto, a pretexto de que havia umas dúvidas jurídicas (aliás, cada vez mais partilhadas dentro das próprias hostes socialistas) que importava evitar. Coisas de juristas, que só sabem arranjar problemas.
Contudo, para dar a ideia de que este estado de emergência é menos mau do que os anteriores – e que, portanto, não estamos a regressar ao ponto de partida, fruto de uma gestão errática da pandemia –, o Governo decidiu qualificá-lo como “preventivo”. No fundo, nada de mal está a acontecer. Estamos só a prevenir, o que é sempre uma coisa boa!
É certo que semelhante figura não existe na Constituição, embora a lei lá vai admitindo que o “estado de emergência é declarado quando (…) se verifiquem ou ameacem verificar-se casos de calamidade pública”.
Se, porventura, o Governo se está a referir à segunda vaga da pandemia, a verdade é que já não vai muito a tempo de a prevenir. Os números, infelizmente, demonstram que só vai mesmo a tempo de a remediar. Sem dúvida que ela podia e devia ter sido prevenida – não propiamente evitada, mas preparada com cuidado – durante o período que mediou entre meados de maio e o final de setembro. Ao contrário da própria pandemia – que era praticamente imprevisível –, a segunda vaga era quase uma certeza. Enfim, era verão, estava calor e havia outras coisas para fazer.
Por falar em calor, ficámos também a saber que o Governo se propõe avançar com um “quadro legislativo específico” sobre restrição de liberdades em caso de pandemia. Porém, como não quer “legislar a quente”, é só mesmo para a próxima pandemia – que, com um pouco de sorte, pode bem ser apenas daqui a 100 anos.
Ora, a isto é que se chama prevenir. Não é cá “casa roubada, trancas à porta”. Legislar a quente é que nunca, porque o calor – lá está – é mau conselheiro. Ainda que já tenham passado nove meses desde o início da pandemia, ainda está tudo muito a quente. Com a cabeça quente e, se calhar, até com as orelhas a arder.
É certo que, na próxima pandemia, pode já nem estar em vigor a Constituição que temos agora. E, no longo prazo, estamos todos mortos. Mas, para quê fazer legislação adequada à atual pandemia se podemos fazê-lo apenas para a próxima, que não sabemos quando vai ser nem como vai ser? Quando as coisas se complicam no presente, o melhor mesmo é projetar o futuro.
Entrementes, para a pandemia que estamos a viver, a Lei de Bases da Proteção Civil vai dando para o gasto. Fica um pouco “curta nas mangas”, mas podem sempre juntar-se outras leis que andam por aí perdidas no Diário da República, para dar a ideia de que são muitas. Juntas vão desenrascando para pendurar umas quantas resoluções do Conselho de Ministros. Até ser necessário vir de novo outro estado de emergência!