O estado de guerra, no qual impera uma zona de indistinção, é, segundo Mbembe, “um espaço fora da jurisdição humana, onde as fronteiras entre a lei e o caos desaparecem, as decisões sobre a vida e a morte se tornam totalmente arbitrárias e tudo passa a ser possível”. É dentro dessa lógica que as acções militares em escolas, hospitais e outros lugares civis passam a ser efectivamente possíveis, visto que nenhuma autoridade exterior ao conflito tem meios ou forma para conter tais acções.
Espera-se – sem a devida garantia – que futuramente as autoridades consigam apurar, de acordo com os princípios do direito internacional, as devidas responsabilidades dos actores envolvidos no conflito. No entanto, estas autoridades externas aos conflitos mostram-se incapazes de conter a instauração de um estado de guerra, com a genética de uma zona de indistinção efectiva e activa, sempre regido pelos ditames dos beligerantes.
É, assim, que, segundo Mbembe, “(…). As pessoas abandonam um espaço e estabelecem‐se noutro, para serem desalojadas pelo terror, confrontadas com circunstâncias imprevisíveis e obrigadas a estabelecer‐se, de novo, onde podem”.
É dentro de um estado de guerra que se experiência, na prática, a necropolítica, que inscreve, historicamente, o surgimento de um poder soberano ilimitado que detém o poder social e político de decidir sobre a forma de viver e de morrer. Trata-se de um conceito igualmente desenvolvido por Achille Mbembe, que se traduz numa reinscrição ou reutilização conceptual do conceito de biopolítica do filósofo Michel Foucault.
Assim, a morte de um sujeito dentro de um estado de guerra ganha contornos de pluralidade, passando a ser uma experiência colectiva, e não individual, gerando uma consciência colectiva de morte e de resistência, inscrita num registo histórico de uma soberania de necropolítica e, por outro lado, poderá servir, futuramente, para a construção da nação através do trauma geral de um povo. De qualquer forma, não deixa de constituir uma negação política da vida, enquanto forma assertiva de afirmação do eu subjectivo ou da individualidade humana.
É nesta conformidade que Mbembe defende que “o estado de guerra na África [inclusive em regiões marcadas por uma violência histórica e longa] contemporânea deveria ser concebido como uma experiência cultural geral que configura identidades, tal como o fazem a família, a escola e outras instituições sociais”.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.