Ser cidadão envolve um grande número de interações com o Estado. Se pensarmos em nascimento, saúde, educação, casamento, impostos e morte, por exemplo, a relação entre o Estado e os cidadãos é feita por muitas entidades, com diferentes tipologias de transação. Quanto mais complexa e mais intervenção manual tiver uma operação, maior será o seu custo unitário (mais impostos) e pior será a experiência do cidadão (mais burocracia). A transição digital exige investimento, mas resulta em custos recorrentes menores e, mais importante, em maior eficiência e produtividade nos serviços públicos, acompanhadas de maior competitividade económica (ex: menos tempo desperdiçado pelos cidadãos e empresas).

A forma como os cidadãos se relacionam com o Estado teve melhorias tremendas nas duas últimas décadas. Entre a simplificação de processos e a aplicação de tecnologia, num número muito alargado de transações é exigido menos aos cidadãos (ex.: pela consulta online de informação já na posse do Estado) e eles precisam de investir menos tempo na relação com o Estado (ex: preenchimento automático de algumas declarações de rendimentos; e acesso a serviços online). No entanto, a experiência global do cidadão não é uniforme.

Primeiro exemplo: uma família muda de residência e precisa de alterar a sua morada fiscal. Com um portátil e leitor de cartões, consegue-se em poucos minutos fazer o pedido de alteração da morada do Cartão de Cidadão (que se aplica a outros serviços do Estado), evitando o que antes poderiam ser horas em filas. Neste exemplo, o Estado acaba por se revelar apenas como digitalizado (e não digital), uma vez que o passo seguinte ainda envolve o envio de uma carta para a nova morada. Embora seja uma matéria a merecer debate, a segurança jurídica da notificação do cidadão num endereço físico ainda prevalece, não lhe dando a possibilidade de optar por, e assumir a respetiva responsabilidade legal, aceitar as notificações num endereço digital (sem prejuízo de continuar a declarar um endereço físico, para efeitos de tributação, assumindo também as responsabilidades fiscais que decorrem dessa declaração).

Segundo exemplo: na sequência do falecimento do marido, a esposa submete o respetivo pedido de reembolso das despesas de funeral e de pensão de sobrevivência, numa capital de distrito. Dois meses mais tarde vem a saber que o processo ainda não consta no sistema dos serviços centrais, para onde os dados deveriam ter seguido, em formato papel. Neste caso, continuamos a ter um Estado com processos analógicos e em que a atitude dos serviços é de resignação perante um cenário em que o primeiro pagamento de uma pensão de sobrevivência se atrasa vários meses desde o momento em que se tornou necessária.

A cultura das entidades públicas, a começar pela liderança, tem de dar um sinal claro aos colaboradores de que a qualidade de serviço é essencial. Esta alteração cultural também passa pelo reconhecimento da excelência de serviço nos modelos de compensação. E pode ser acelerada se os colaboradores forem premiados por contributos práticos que resultem em processos mais eficientes ou numa melhor experiência do cidadão (ex: automatizar o processamento da pensão de sobrevivência a partir da entrega da certidão de óbito, para os casos em que a informação existente em sistema permite identificar uma situação de viuvez e em que o cônjuge sobrevivo até já beneficie de outra pensão).

É importante ressalvar que há questões essenciais a resolver antes de o Estado poder adotar o modelo de no-stop-shop: há que garantir segurança jurídica aos cidadãos e de prever mecanismos alternativos para os que não têm competências ou acesso a ferramentas digitais. Mas num mundo em que o digital promove a eficiência na cobrança de impostos, tem de haver sinais claros de que os cidadãos sentirão a mesma eficiência na forma como acedem a todos os serviços do Estado.