Quando acontecem tragédias horríveis como a de Pedrógão ou situações que nos colocam a todos em perigo como a de Tancos, para além de chocados e perplexos, ficamos com saudades do tempo em que só se falava de défice, balança comercial, impostos ou medidas para promoção do crescimento económico.

A vida para além do défice chegou, mas revela o pior. Revela que o Estado falha naquele que, de facto, é o seu papel essencial: a proteção dos seus cidadãos. Quando se trata de proteção civil e segurança nacional, não há concorrência, não há alternativas privadas. Ao contrário da Saúde, Educação ou até Justiça, estamos todos nas mãos do Estado e sujeitos ao que este tiver para dar.

Cada um à sua escala, Pedrógão e Tancos mostram que em centros nevrálgicos do Estado é altamente provável que exista desorganização, irresponsabilidade e incompetência. Se aguentamos esse nível de Estado quando estamos a falar de uma qualquer repartição de finanças que deixa prescrever uma dívida, é absolutamente intolerável quando morrem pessoas consumidas por chamas numa estrada nacional e desaparece armamento de guerra de uma base militar, por motivos que ninguém ainda conseguiu explicar com um mínimo de rigor.

As lutas partidárias em torno destes acontecimentos são de mau gosto e cínicas. Na verdade, dificilmente se poderá sustentar que estes acontecimentos não teriam ocorrido, por exemplo, se Pedro Passos Coelho fosse primeiro-ministro em vez de António Costa. Demissões por responsabilidade política são um bom exercício de marketing político, porque transmitem uma imagem de dignidade, mas não resolvem nada. Pelo contrário, podem até dar uma falsa ideia de que a responsabilidade está encontrada e o problema segue sem solução.

Os verdadeiros problemas estão lá bem no fundo do Estado, nas suas inúmeras estruturas opacas, burocráticas e sem fiscalização. Todos os governos – sem excepção – têm sido incapazes de tocar nestes centros de poder vergados a corporações. Quando se fala do Estado, normalmente só se discutem direitos, salários, progressões de carreira, estatutos profissionais. Só se discute a agenda dos sindicatos e das corporações. Pouco ou nada se discute de organização, fiscalização e responsabilidade. Não se pode aceitar que o mesmo Estado que é implacável a cobrar impostos e que tem normalmente uma presença excessiva e desnecessária na atividade económica seja aquele que, em tempos de ameaça terrorista, deixa sem vigilância adequada um local onde se guarda armamento de guerra. Guardar armamento pesado não é uma obrigação de meios. É uma obrigação de resultado.

Quem em todo o lado quer estar, tudo quer gerir e dominar, normalmente negligencia o essencial. Segurança e Proteção civil são também uma das razões para que a expressão “reforma do Estado” regresse à agenda política. Não como uma lengalenga ideológica, mas com seriedade e coragem. É preciso simplificar as estruturas do Estado, tirar-lhes burocracia, dar-lhes mais transparência, dar-lhes rostos e responsabilidade. E um Estado mais centrado no essencial terá, forçosamente, mais e melhores meios.