Muito há para dizer sobre as sondagens que pareciam otimistas para o lado democrata nas eleições norte-americanas, mas os resultados mostraram-se mais renhidos do que o esperado. Enquanto escrevo esta crónica, três estados decisivos estão à beira de conceder a vitória a Joe Biden. No entanto, Trump já lançou a narrativa, através do Twitter, de que os resultados são uma fraude. É bem possível que algumas batalhas legais morosas se sigam à contagem total dos votos.

Independentemente do que possa vir a suceder nas próximas semanas, há conclusões que não podem deixar de ser retiradas. A estratégia democrata de apostar num candidato moderado e de centro (que procurou muitas vezes agradar a republicanos insatisfeitos), colocando a tónica na saúde pública, provou ser a errada entre um determinado eleitorado, como o negro e latino. A economia continua a ser a prioridade de muitos, pouco importa o número de óbitos resultante desta pandemia.

Foram mais de 60 milhões a votar num Presidente que tentou abalar constantemente os alicerces democráticos da América e que tudo fará para invalidar resultados eleitorais desfavoráveis. Não fosse este ter sido um ano dominado pela pandemia de Covid-19 e Trump teria, possivelmente, vencido por uma margem confortável.

Qualquer que seja o resultado, é uma América polarizada e quebrada que sai destes últimos quatro anos. Uma América que viu o seu presidente desmantelar instituições (e diretores), que lucrou com o cargo, que instalou familiares na Casa Branca, que fez das minorias um alvo e assumiu a supremacia branca em pleno, sem mencionar todos os escândalos em torno da ajuda externa por parte da Rússia que terá beneficiado a equipa de Donald Trump. Esses 60 milhões só podem ser vistos como o fracasso de políticos progressistas em fazer passar a sua mensagem.

Infelizmente, é um número que extravasa os EUA. Desde a vitória de Trump, em 2016, que temos observado o avanço de populistas como ele em todas as democracias, e nem a portuguesa ficou imune às palavras hipnotizantes daqueles que arengam ser “contra o sistema”.

A questão fundamental persiste. Como fazer frente a uma onda de populismo que divide e destrói? Como responder aos anseios e preocupações de uma parte do eleitorado que não se sente representada por forças democráticas? Nos EUA, mas também um pouco por todo o mundo, as vidas humanas perderam valor e tornaram-se meros números. O que tem de mudar – realmente mudar – na forma como se faz política para que todos consigam sentir-se envolvidos e não excluídos?

Continuar a empurrar problemas com a barriga  apenas irá adiar o inevitável. Há reformas que têm de ser feitas, quaisquer que sejam os custos. Biden poderá ganhar por uma margem pequena, mas as palavras e os atos incendiários de Trump podem ter deixado feridas demasiado profundas para serem saradas. Se o próximo Presidente dos EUA optar por manter tudo na mesma, então o desmantelamento da democracia pelos avanços do populismo é apenas uma questão de tempo.