O elevador social é dos mais importantes mecanismos da sociedade contemporânea, contribuindo para a estabilidade e paz sociais.
O funcionamento perfeito deste mecanismo é utópico, o que não impede que cada país se tente aproximar o mais possível dele. Deve fazê-lo para preservar o equilíbrio social. Segundo o índice de mobilidade social do Fórum Económico Mundial de 2020, Portugal é o 15º país da UE com maior nível de mobilidade social, ficando claro que o país pode melhorar.
A segregação habitacional contribui para o mau funcionamento deste elevador. Em Portugal existiam, em 2011, 2089 bairros sociais[1]. Em 2018, era o 10º país (em 33 com dados) da OCDE com menor proporção de habitação social em relação ao total de habitações e o 2º (em 31) que menos gastava em subsídios à habitação, em % do PIB[2].
Sabemos que a zona em que uma criança cresce influencia a oportunidade que esta tem de ascender socialmente. Nos EUA, o programa “Moving to Opportunity” (MTO), que ofereceu vouchers a famílias de zonas com elevado índice de pobreza para que estas se deslocassem para zonas com menor taxa de pobreza, permitiu comparar o futuro das crianças cujas famílias receberam o voucher com o daquelas que, continuando a ter acesso a habitação pública, não se deslocaram. Esta política teve um efeito positivo nas crianças que tinham até 13 anos quando as famílias receberam o voucher.
Um estudo[3] demonstrou que uma criança cuja família se tenha deslocado obteve rendimentos médios, no início da vida adulta, superiores em 31% aos daquelas que não se deslocaram. A probabilidade de frequentar a faculdade entre os 18 e 20 anos aumentou 34%. Para as raparigas que vieram a ter filhos, o facto de estarem inseridas numa família beneficiada pelo MTO, diminuiu em cerca de 25% a probabilidade de ter um filho de pai incógnito.
As crianças das famílias que receberam o voucher acabaram por habitar, na idade adulta, zonas com menor índice de pobreza, o que leva a concluir que o impacto do voucher se estende para lá da primeira geração. Os impactos positivos para os menores de 13 anos são tanto maiores quanto mais novos estes forem no momento da atribuição do voucher. Por outro lado, não foram detetados impactos positivos para os adultos, nem para os seus filhos com mais de 13 anos à data da alteração de residência (neste caso, os efeitos foram negativos em alguns aspetos).
Um outro estudo[4] demonstra que a menor segregação racial, a menor desigualdade de rendimentos, a maior coesão social e escolas com melhor qualidade são fatores que contribuem para uma maior mobilidade social. Assim, uma criança desfavorecida, se criada em áreas com estas características, terá maior probabilidade de vir a ascender socialmente.
Os resultados observados nos EUA não podem ser diretamente extrapolados para Portugal, mas há poucas razões para não acreditar que estes mecanismos também têm efeito no futuro das crianças do nosso país, mesmo que em menor magnitude.
Uma política de habitação eficiente traz valor acrescentado ao país, mas deve promover o realojamento em zonas de reduzida segregação habitacional, seja através da subsidiação de rendas ou da disponibilização de habitação pública em áreas com estas características. Não se pode reduzir à construção de quarteirões de habitações a custos controlados em que se concentram aqueles que não conseguem suportar condições de habitação dignas. O Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, a ser aplicado pelas autarquias no âmbito do PRR, propõe gastar em habitação uma média de 48 mil euros por família, o que provavelmente obrigará a que as novas habitações sejam construídas em locais de elevada concentração de habitação social.
Esta ação permitirá um alívio imediato das necessidades de habitação de quem mais precisa. No entanto, promover bairros sem elevador social, concentrando famílias desfavorecidas em áreas com famílias igualmente desfavorecidas, é deixá-las longe de sair deste paradigma, prejudicando especialmente as crianças.
A política de habitação deve não só gastar mais, mas melhor. Há que dar oportunidade às famílias mais desfavorecidas de escolher onde habitar, dando-lhes apoio financeiro e informação sobre as oportunidades que cada local pode oferecer aos seus filhos ou, em alternativa, conseguir um parque habitacional público descentralizado. Só assim conseguiremos complementar a aposta na justiça social com o investimento no futuro do país.
O artigo exposto resulta da parceria entre o Jornal Económico e o Nova Economics Club, o grupo de estudantes de Economia da Nova School of Business and Economics.
[1] INE, Inquérito à caraterização da habitação social.
[2] OECD affordable housing database.
[3] Chetty, Raj, Nathaniel Hendren, and Lawrence F. Katz. 2016. “The Effects of Exposure to Better Neighborhoods on Children: New Evidence from the Moving to Opportunity Experiment.” American Economic Review, 106 (4): 855-902,
[4] Raj Chetty, Nathaniel Hendren, The Impacts of Neighborhoods on Intergenerational Mobility II: County-Level Estimates, The Quarterly Journal of Economics, Volume 133, Issue 3, August 2018, Pages 1163–1228