São imensos os casos na história de operações de falsa bandeira para justificar guerras. Ficaram célebres o afundamento do Maine (1898), o incêndio do Reichstag (1933), o incêndio da baía de Tonquim (1964), o bombardeamento do Mercado de Sarajevo (1995), o dito massacre de Račak (1999), entre outros. Eric Frattini escreveu em 2017 um livro sobre o tema com o título “Manipulação da Verdade”. Com estas operações procura-se culpar o adversário de algo inaceitável e ter assim um pretexto para o atacar preparando, simultaneamente, a opinião pública para apoiar a guerra. É, portanto, uma prática antiquíssima e frequente. Quando posteriormente se prova a falsidade dos factos é tarde, porque os efeitos pretendidos já foram atingidos. É impossível reverter a história.

O clima de insegurança que se vive na Europa provocado pelos alegados drones russos tem contornos que se assemelham aos de operações de falsa bandeira. Fazia sentido tentar confrontar diplomaticamente os russos com provas, o que infelizmente não tem acontecido. No seguimento dos 19 drones (19 setembro) que entraram e caíram ou foram abatidos em território polaco, Moscovo disponibilizou-se para falar com Varsóvia sobre essas ocorrências, mas as autoridades polacas recusaram fazê-lo, sem explicarem o motivo da recusa. O mesmo se aplica às aeronaves russas que terão violado o espaço aéreo da Estónia. As provas são exíguas ou mesmo inexistentes.

Num outro acontecimento, a Polónia prendeu um provocador responsável pelo lançamento de um drone sobre edifícios governamentais, que por coincidência era ucraniano. Entretanto, prosseguiram as “violações do espaço aéreo” em várias capitais europeias provocadas por drones. Os aeroportos em Copenhague, Oslo e Munique foram fechados ao tráfego aéreo durante várias horas. A Noruega, Dinamarca, Suécia e Alemanha relataram a entrada de “drones não identificados” no seu espaço aéreo. Apesar do frenesim acusatório apontar para a Rússia, a Noruega acabou por prender três alemães por lançarem um drone numa área restrita perto do aeroporto.

A Roménia suspendeu temporariamente as operações no Aeroporto de Bucareste por causa de um drone civil próximo da pista (13 setembro). Posteriormente, foi suspenso o tráfego aéreo no aeroporto de Vilnius devido ao aparecimento de…balões de ar quente não identificados (5 de outubro).

Falamos de situações bizarras que, estranhamente, as autoridades não conseguem explicar. Nem a polícia nem os serviços de inteligência alemães conseguiram determinar o local de onde os drones foram lançados. À falta de melhor explicação, levanta-se a suspeita de drones russos lançados a partir de petroleiros da frota fantasma russa. Estas explicações infantis fazem lembrar a responsabilidade russa pelo apagão na península ibérica inicialmente aventada. A ameaça russa serve para tudo, incluindo para tapar a incompetência. Apesar de não poderem ser levadas a sério, a Alemanha, a França e a Suécia enviaram reforços para a Dinamarca, os quais integravam a fragata Hamburg, da Marinha Alemã, e implementaram várias medidas contra drones.

Como se isso não bastasse, o sempre prestável e lesto presidente francês ordenou um assalto a um dos navios suspeitos, que navegava ao largo da costa francesa, em águas internacionais, para encontrar provas do seu envolvimento no lançamento dos drones que teriam supostamente sobrevoado o aeroporto de Copenhaga, em 30 de setembro. Esse ato de pirataria patrocinado pelo governo francês não deu em nada e o presidente francês Emmanuel Macron meteu a viola no saco. O navio retomou discretamente viagem. Owen Matthews, no Spectator, considerou o ataque aos petroleiros da “frota fantasma” um puro ato de teatro. O ensejo de fazer concorrência aos somalis terá ficado por ali. Ted Snider mostrou no The American Conservative estar convencido de que o espetáculo da “ameaça dos drones” terá sido encenado por Kiev para obter mísseis Tomahawk.

Essa demonstração de coragem e tenacidade bélica terá, porventura, sido utilizada por Macron para desviar a atenção da população francesa dos graves problemas internos, que não consegue resolver. Ao nomear quatro primeiros-ministros em menos de um ano, Macron conseguiu bater o recorde que pertencia aos governantes portugueses da 1ª República. Quem também sabia bem como desviar a atenção do povo para ameaças externas era o presidente argentino Leopoldo Galtieri, pois quando apertado em casa pelas suas políticas calamitosas, provocou uma guerra contra o Reino Unido (1982) por causa da soberania das ilhas Malvinas, com resultados desastrosos para a Argentina. Macron parece querer seguir-lhe o exemplo.

Após uma série de alegadas violações russas do espaço aéreo europeu, os líderes da União Europeia reuniram-se em Copenhaga (7.ª Cimeira da Comunidade Política da Europa) para acordar sobre o que fazer para proteger o continente de futuras agressões de Moscovo. Juntou-se ao “porco espinho de aço”, uma outra ideia maravilhosa: construir um “muro de drones”, que na prática significa alocar milhares de milhões de euros para implantar um sistema de monitorização e defesa contra drones ao longo das fronteiras com a Ucrânia, a Bielorrússia e o enclave de Kaliningrado. Os governos alemão, italiano e grego não estiveram pelos ajustes e desaprovaram publicamente o projeto, criticando o financiamento dessa ideia estapafúrdia com fundos europeus. Entretanto, voltou a ser novamente ventilada a tão almejada possibilidade de instalar uma zona de interdição aérea em território ucraniano.

Estes incidentes têm justificado uma feroz narrativa russófoba por parte das chancelarias europeias, apelando à inevitabilidade da guerra. Provavelmente depois de ter ingerido uma dose considerável de Red Bull, o chefe do Estado-Maior do Exército francês General Pierre Schill falou da guerra contra a Rússia “já”. “O Exército francês tem de estar pronto esta noite” para enfrentar os desafios de uma guerra de alta intensidade.

Os preparativos da Europa para uma guerra contra a Rússia são mais do que evidentes e públicos. Na sequência da dita cimeira, em Copenhaga, o presidente da Sérvia Aleksandar Vucic declarou que os países da NATO se estão a preparar seriamente para a guerra. Numa entrevista ao “The Guardian”, o presidente finlandês Alexander Stubb admitiu abertamente que as chamadas “garantias de segurança” da UE para Kiev significavam que os países europeus signatários devem estar preparados para lutar diretamente contra a Rússia.

O deputado do Bundestag Roderich Kizevetter veio dizer que foram registados sobre a Alemanha, nos primeiros oito meses deste ano, mais de 500 voos de drones provenientes de navios russos sobre infraestruturas alemãs de importância crítica. “Estamos a lidar com atos de sabotagem. Portanto, não acredito que não seremos arrastados para esta guerra. A Rússia quer envolver-nos, e devemos ser capazes de nos defender e apoiar a Ucrânia.”

Entretanto, o general britânico Sir Richard Shirreff — antigo segundo-Comandante Supremo Aliado da NATO na Europa — partilhou os seus receios num alarmante artigo publicado pelo Daily Mail, onde explicou como a Rússia, a pedido de Pequim, poderia atacar a NATO num futuro próximo, assim que a China decidisse invadir Taiwan “para distrair o Ocidente”. Shirreff foi ao ponto de indicar a data do ataque da Rússia à NATO (3 de novembro de 2025, pelas 14h GMT+3). Poderíamos dar muitos outros exemplos da irracionalidade que se instalou na cabeça de muitos líderes europeus.

Independentemente do que possa realmente ser, qualquer referência a drones no espaço europeu é de imediato considerada um ato de sabotagem russo, sem ser necessária qualquer investigação ou prova. Com base nisso, certos dirigentes europeus sustentam a narrativa de uma ameaça permanente à segurança europeia. O que não conseguem explicar é a racionalidade de um ataque da Rússia à NATO. Para quê? Cui bono? Será que acreditam no que estão a dizer? Não deixa de ser curioso ninguém na Comunicação Social achar estranho e/ou interrogar-se sobre esta súbita inflação de drones, a contribuírem para instalar o pânico nas opiniões públicas.

Uma população com medo faz menos perguntas sobre o destino dos seus impostos e é mais facilmente manipulada. O temor dá jeito aos líderes. Na Dinamarca, estão a transformar a ameaça fantasma dos drones numa emergência pública da forma mais escandalosa que se possa imaginar. A histeria sobre a ameaça russa à Europa permite à burocracia europeia destinar mais fundos à defesa e, em última análise, desenvolver uma narrativa que pode conduzir a um ponto sem retorno. O problema é este e está agravado por uma opinião pública anestesiada, que perdeu a capacidade de questionar e de se opor aos desmandos dos poderes. Daqui não pode vir nada de bom.