O devaneio entre o PS e as esquerdas radicais já conheceu melhores dias, mas ainda não se vislumbram sinais de crise na legislatura. O conluio entre PSD e BE relativamente ao estatuto do gestor público e, agora, à descida da TSU a que se juntou o PCP, demonstram, com clareza, que o taticismo político se sobrepõe ao interesse nacional. São, aliás, renegadas as matrizes ideológicas em nome de ressabiamentos, que Passos não se preocupa em esconder. Mas, mesmo assim, Assis está, uma vez mais, enganado. Não iremos, tão cedo, para eleições antecipadas. De uma banda, porque a andadeira das esquerdas de Costa não quer o ónus de fazer cair o Governo e, de outra, porque nunca, desde o gonçalvismo, cheirou o poder como agora.
Costa tem instrumentalizado os seus parceiros de solução governativa, afastando-os dos seus ideários revolucionários e praticamente convertendo-os à Europa. Mas, de vez em quando, eles têm que dar sinais ao seu eleitorado de que não foram corrompidos quando, na prática, esse é já um dado adquirido. É, afinal, uma questão de manter as aparências a qualquer preço. Por seu turno, o PS parece tender, agora, estrategicamente à moderação. O último Orçamento do Estado e o acordo da TSU alcançado em sede de concertação social são bons exemplos disso. Aliás, já antes o PS não se coibira de ratificar a decisão do seu partido congénere espanhol PSOE na viabilização do democrata-cristão Mariano Rajoy, cujas políticas financeiras, seguidas nos últimos anos, foram efusivamente elogiadas por Costa e dadas como exemplos a seguir.
Por que o faria, senão para hábil e gradualmente passar a ideia de convergências ao centro? Embora Costa esteja, estruturalmente, longe do centro-esquerda, o seu faro político aconselha-o a uma aproximação. Sabe que o BE sempre será um parceiro híbrido e infiel numa eventual coligação governativa e, por isso, já concluiu que será melhor encontrar no centro-direita essa solução. Mas nunca com Passos, que lhe jurou uma cruzada sangrenta sem olhar, agora, a meios e indo cegamente contra medidas que lhe são identitárias. Relembrando o aforismo de Churchill, Passos “vê uma dificuldade em cada oportunidade”, enquanto Costa tem visto “uma oportunidade em cada dificuldade”. Mas também entre os socialistas se levantam vozes estridentes, como a do ainda domesticável Pedro Nuno Santos, que afirma o orgulho da esquerda unida e a certeza de que “O PS nunca mais vai precisar da direita para governar”.
Uma coisa é certa, Costa tudo fará para não quebrar a estabilidade política tão grata a Marcelo. Desvaloriza quem avança com a necessidade de, através de uma moção de confiança, as esquerdas deverem dar um sinal claro de apoio à solução governativa. Mas também evitará cair nas provocações de Passos que o impelem a friccionar com os seus parceiros nas matérias não consensuais. Mesmo sabendo que as sondagens dão hipóteses de uma maioria absoluta ao PS, Costa será prudente e continuará a capitalizar as precipitações e incoerências de Passos. Sem querer agora eleições, que seriam vistas como oportunistas, e para si penalizadoras, irá persistir na preparação de um cenário favorável à sua continuidade na próxima legislatura. E, com certeza, com apoios mais consistentes e de outros quadrantes.