Os mercados digitais colocam sérios desafios à regulação. As autoridades enfrentam colossos, com recursos incomparavelmente superiores e um conhecimento privilegiado dos mercados. A capitalização bolsista das Big Five (Alphabet, Amazon, Apple, Meta e Microsoft) ultrapassa várias vezes o PIB de muitos países — a da Microsoft, por exemplo, ultrapassa o produto interno bruto português em mais de dez vezes. Se nada for feito para reequilibrar forças, corremos o risco de perder a capacidade de controlar o poder destas empresas.
Uma das estratégias destes gigantes para consolidar o domínio é a aquisição sistemática de startups inovadoras. Estas operações permitem-lhes eliminar concorrentes potenciais, expandir para novos mercados, reforçar ecossistemas fechados e aceder a valiosas bases de dados. Entre 2019 e 2024, as Big Five adquiriram quase 200 empresas, das quais 184 escaparam ao escrutínio das autoridades da concorrência. Para tal, contribuiu a inadequação dos critérios de notificação, centrados no volume de negócios das empresas-alvo — uma métrica que ignora a relevância estratégica de muitas startups digitais.
Contrariando esta tendência, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) reforçou, no início deste mês, a proposta de fragmentação da Google. Às medidas anunciadas em agosto passado – que incluíam a venda do navegador Chrome e impunham restrições ao uso do sistema operativo Android e da IA – o DOJ acrescentou agora a alienação de uma parte significativa do negócio de publicidade digital, responsável por mais de 75% da faturação da empresa no primeiro trimestre de 2025.
Esta medida pode parecer drástica, mas não seria inédita. Em 1911, o Supremo Tribunal dos EUA ordenou o desmembramento da Standard Oil, uma empresa que controlava cerca de 90% do mercado de refinação de petróleo nos EUA, dividindo-a em 34 entidades independentes. A decisão baseou-se não só no poder económico exacerbado da empresa, mas também no seu uso para influenciar decisões políticas e contornar as leis da concorrência.
O desmembramento dos gigantes tecnológicos pode ser uma das poucas medidas ainda ao alcance dos reguladores, confrontados com severas assimetrias de recursos. Por exemplo, enquanto a equipa jurídica da Google conta com cerca de mil profissionais, a Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia dispõe de cerca de 850 para dezenas de processos.
Acresce ainda que os melhores técnicos são captados pelas empresas, com salários muito acima do setor público. Mas o desequilíbrio vai além dos recursos humanos: há ainda obstáculos técnicos. De que serve aprovar nova legislação — como o Digital Markets Act ou o Digital Services Act — se os reguladores não conseguem destrinçar os algoritmos ou auditar os códigos-fonte para verificar o cumprimento das regras?
A cada dia, os gigantes tecnológicos estão mais poderosos. É urgente capacitar os reguladores e rever os modelos de atuação (e.g., repensando os critérios de notificação das aquisições, valorizando o potencial de inovação das empresas-alvos). A alternativa? Permitir que estas empresas continuem a crescer sem controlo e recorrer a processos longos e multas históricas — como no caso Google Shopping — que raramente repararam os danos causados.