Temos Orçamento para 2021. Um bom acontecimento, embora com votos positivos apenas do partido no Governo. A viabilização ocorreu na base da abstenção, com votos contra de toda a direita… mais o Bloco de Esquerda.

Apesar deste esfrangalhamento das esquerdas, o que indicia sinais preocupantes no futuro não a muito longo prazo, é positivo o País estar dotado de Orçamento para 2021.

Permite ao Governo de António Costa as condições para poder continuar no ataque à pandemia, esperando todos nós por medidas mais robustas e consequentes – quer em termos de Covid-19, quer da economia – e, em Janeiro, assumir a Presidência da União Europeia numa posição de conforto e fazendo votos de excelente gestão, apesar das muitas nuvens que pairam sobre a União vindas da Polónia e Hungria, que teimam em fazer chantagem com os fundos europeus.

Seria muito complexo se o Governo tivesse de atacar estas duas frentes sem orçamento, com um País a viver a duodécimos. E para Portugal um grande desprestígio. Há factos, porém, que não deviam acontecer. Votar por despeito nunca foi uma boa norma e a história traz-nos à memória exemplos contraproducentes em Portugal e noutros países.

Mas regressando ao título deste escrito

Por Bloco Central não se entende neste contexto governar em entendimento com o PSD de Rui Rio. Basta rever uns segundos dos discursos de encerramento da líder parlamentar da bancada do PS, Ana Catarina Mendes e do ministro das Finanças, João Leão, para ver que por aqui não anda casamento, nem sequer namoro, pelo menos para já. As águas estão muito turvas e azedas.

O que, numa leitura do ambiente político, parece esvoaçar é uma espécie de “enamoramento” Governo/PR, a ordem é arbitrária, um bloco central sui generis, pois não se conhecem “as tropas organizadas” do parceiro PR nem as suas linhas futuras. Poderemos falar de dúbio enamoramento com desfechos incertos e comportamentos errantes.

Apercebemo-nos, porém, em vários casos, da existência de “sapos” difíceis de engolir pelo lado do Governo ou, pelo menos, de alguns dos seus membros.

Isto de forma alguma significa que não se tenha algum apreço pelo trabalho desenvolvido pelo Presidente da República, sobretudo, se imaginarmos o que teria sido este relacionamento no contexto da presidência anterior.

Sei que esta afirmação se encaixa no politicamente correcto. Toda a gente o diz, muitos dirigentes políticos reiteram esse apreço. Engraçado, são os políticos de direita que menos o dizem e, pelo contrário, insinuam que o PR tem feito muitos “fretes” a António Costa. Para alguns, Marcelo já deveria ter feito cair o Governo.

Era a este ponto que queria chegar

E, então, questiono-me: há cooperação ou intromissão e aproveitamento das situações?

Vamos a factos públicos recentes. A alguns quase chamaria “facadas” no enamoramento e a outros apropriação do trabalho do Governo.

Ao ler a entrevista de Marta Temido de 26/11/2020 ao “Público”, numa passagem em que está a ser abordada a temática da falta de vacinas da gripe, a ministra dá algumas informações muito pertinentes onde compara a quantidade comprada por países, com a quantidade que Portugal adquiriu. E, assim, fica a saber-se que a Suécia e a República Checa, com dimensão populacional próxima de Portugal, adquiriram respectivamente 1,4 milhões e 800 mil vacinas, enquanto o SNS adquiriu dois milhões e setenta mil e o sector das farmácias mais 500 mil.

Ou seja, Portugal adquiriu ao todo dois milhões, quinhentas e setenta mil vacinas da gripe, já vacinou cerca de 1,5 milhões de pessoas – diz a Ministra – tem em stock 300 mil doses e conta receber 200 mil ainda nesta semana (semana da entrevista, i.e. última de Novembro). Completa a ministra, houve este ano uma procura não usual de vacinas em Portugal.

Perante isto, pergunta concreta da jornalista: [o Presidente da República disse a seguinte frase: “a senhora ministra (entenda-se Marta Temido) acaba de me confirmar que até à primeira semana de Dezembro todos os que queiram vacinar-se irão vacinar-se”]. Marta Temido responde: “Todos os que queiram com critérios”. Interessante a precisão na resposta e prossegue a jornalista. “Não acha que houve um erro de comunicação aqui”? “As vacinas, os medicamentos, os actos de saúde não são actos de consumo” responde a Ministra.

Insiste a jornalista: “mas houve esta afirmação e agora há muitas pessoas que dizem, tenho 70 anos e não consigo vacinar-me, o meu filho tem asma e não tem vacina”. Marta Temido: “Vale a pena dizer que temos vacinas a serem distribuídas neste momento e portanto há pessoas que até ao fim do período poderão fazer a sua vacina…”.

Uma outra questão surgida poucos dias antes. O chamamento a Belém de duas ministras (Marta Temido e Francisca van Dunen) por causa das infecções de Covid-19 nas cadeias. Não entendi a razão do chamamento. Foi para o Presidente se informar ou puxar as orelhas às ministras…? Francamente todas as semanas há reunião com o primeiro-ministro e certamente uma oportunidade de debater o assunto.

Este procedimento deu aso a reacções de certa imprensa e dirigentes políticos. O Presidente Marcelo está a fazer o que o PM devia fazer. É de perguntar o que fez então o PR que António Costa não estava a fazer? Belém divulga o facto para a imprensa com que intenção? É evidente, com tanta publicidade estas reacções são de esperar.

Outro facto. Assistiu-se através da comunicação social ao PR a contactar nos dias 23 e 24 de Novembro os produtores das vacinas Covid-19. Para quê tamanha encenação e publicitação? É sabido que a Comissão Europeia encomendou vacinas e as colocará à disposição de cada país segundo o critério da população e em local/locais designados pelos governos. Mas não contente com isso também se soube que Belém contactou o Rei de Espanha a este propósito. Apetece perguntar: a que propósito?! E de tudo isto os jornais foram-se enchendo.

Parecem-me contactos a mais e alguns pouco ajustados e só invoco casos recentes. Não vejo qual é a mais-valia para a solução dos graves problemas de pandemia e económicos que o país atravessa. Muita desta sofreguidão do Presidente em aparecer na primeira fila perturba o ambiente e cria ruído desnecessário.

Muitos comentadores dizem ah! Marcelo Rebelo de Sousa é mesmo assim, sempre se intrometeu em demasia em áreas que não são da sua alçada. Estes factos revelam isso, condicionam a gestão do Governo e de algum modo desprestigiam a sua acção.

Em problemas fundamentais impede mesmo a iniciativa governamental. Temos o caso da regionalização do território que o Governo admitiu não avançar porque o Senhor Presidente veta.

No meio disto tudo, quero deixar expresso que defendo a cooperação entre os órgãos de soberania no sentido de fazer avançar o País, mas com o devido respeito das áreas de competência de cada um. Uma coisa é a política de influência e a concertação de acção, outra bem diferente é a intromissão e a publicitação de tudo para colher os dividendos e a apropriação da parte boa.

Este “bloco central”, em que de algum modo o País se move, distorce francamente a realidade social e política, gera instabilidade, aprofunda as fragilidades existentes e tende a inclinar os seus destinos em sentido divergente do rumo actual.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.