O Serviço Nacional de Saúde (SNS) está a rebentar pelas costuras. Sei-o há muito tempo e constatei-o na primeira pessoa na semana passada, quando a minha mãe, com 93 anos, sofreu um acidente vascular cerebral e foi levada para o Hospital de Santa Maria.
Depois dos exames de diagnóstico, a médica que a analisou na urgência determinou que ela deveria ficar internada no Serviço de Medicina 1. Começaram, logo, por me informar que, nesse dia, não iria ter cama disponível, pelo que teria que ficar na maca, num corredor. No dia seguinte, pelas 13 horas, início das visitas, verifiquei que continuava na mesma maca, no mesmo corredor. Falei com as enfermeiras de serviço, que me disseram que não havia condições de trabalho, que não tinham camas disponíveis. Fiquei com ela durante algumas horas, e constatei que estava bem acompanhada: no mesmo corredor, encontravam-se mais sete doentes em macas, por falta de camas.
No dia seguinte, voltei a Santa Maria. Pude verificar que a situação não se alterara. A minha mãe continuava na mesma maca, no mesmo corredor, com a mesma companhia da véspera. Pior. Fui informado que tinha estado agitada durante a noite e que caíra da maca, o que tinha levado a que fizessem uma nova TAC para ver se havia partido algo. Felizmente, estava tão “danificada” como no dia anterior, não se tendo agravado o seu estado de saúde.
Solicitei a presença da médica responsável e informei-a que iria transferir a minha mãe, de imediato, para um hospital privado, onde, independentemente da qualidade dos serviços prestados, estaria, pelo menos, numa situação condigna. Requeri que me facultassem os exames que haviam sido realizados. Disseram-me que me podiam dar os relatórios, mas as imagens (TAC e RX) não, porque o serviço de gravação de imagens num CD só funcionava durante a semana.
Tratei do transporte, a expensas próprias, e transferi a minha mãe para um quarto particular, num hospital privado.
Retirei várias lições desta experiência porque passei no SNS.
Primeiro, de que nada vale o facto de anualmente pagar mais de 50% em impostos e contribuições, porque, sendo um imposto uma prestação unilateral, não há qualquer direito a exigir uma contraprestação.
Segundo, de que diminuir o valor das taxas moderadoras não constitui qualquer solução. Pelo contrário. Se o que se pretende é que o SNS seja igualitário, então conseguiu-se. Ele é igualmente mau para todos. No final, quem mais sofre são os mais carenciados. Aqueles, como é o meu caso, que podem optar pelo privado têm condições dignas de um país desenvolvido. Os que não podem submetem-se a um tratamento sub-humano, próprio de um país do terceiro mundo. De tanto se querer, por ideologia, beneficiar os mais pobres, acaba-se por prejudicá-los, já que eles não têm alternativas.
Terceiro, de que um sistema que é o pilar mais importante de uma sociedade devia funcionar adequadamente, não bastando ter bons profissionais se estes não dispõem de condições para prestar os serviços para que foram contratados. De nada importa discutir se há falta de médicos, de enfermeiros e de auxiliares se não existem instalações e equipamentos. Contratar mais e melhores pessoas para trabalhar sem condições não vale a pena. É ridículo ter um Ronaldo sem dinheiro para lhe dar uma bola, uma Maria João Pires sem verba para lhe adquirir um piano ou uma Paula Rego sem condições para lhe comprar um pincel.
Quarto, de que, não havendo receita fiscal disponível para suportar o aumento das despesas de saúde, deveriam pedir a quem pode, e eu estou nesse rol, que pagasse mais pela prestação dos serviços públicos de saúde, aumentando as taxas hospitalares, chamem-lhes moderadoras ou outras (na realidade, o que se pretende não é moderar o recurso aos serviços de saúde, mas, sim, fazer quem tem capacidades financeiras para tal comparticipar mais no seu financiamento). Se os elevados impostos que eu e outros pagamos não chegam para cobrir as despesas com a saúde, exijam mais àqueles que, podendo, utilizam o SNS, sendo o mesmo completamente gratuito, como já é, para os mais carenciados. De nada vale apregoar que o sistema é tendencialmente gratuito se o mesmo não tem condições para funcionar. De que nos vale pagar uma miséria pelos cuidados prestados por um hospital público se o tratamento que nele é prestado equivale à verba irrisória que nos foi exigida. Façam pagar mais a quem mais pode, mas deem melhores condições a todos, aos mais afortunados e aos mais carenciados.
Quinto e último, não vale a pena esconder que este é um problema que se vai agravar ano após ano. Num país envelhecido (20% da população tem mais de 65 anos), com uma esperança média de vida a aumentar a cada ano – a esperança média de vida é atualmente superior a 80 anos, 77 anos para os homens e 83 anos para as mulheres –, as despesas de saúde não têm como regredir. Os quase 10 mil milhões de euros por ano que se gastam em saúde (cerca de 10% do PIB) são insuficientes para assegurar a satisfação das necessidades de uma população que já tem 144 idosos por cada 100 jovens.
Recorrendo ao título do livro de Cormac McCarthy passado à grande tela pelos irmãos Coen, este país não é para velhos, eles que são, inquestionavelmente, os mais vulneráveis e que mais necessitam dos cuidados de um serviço nacional de saúde depauperado.