Apesar das PME não cotadas (que são todas as PME Portuguesas) não serem obrigadas por lei a reportar informação sobre as suas práticas de sustentabilidade, elas já estão a começar a ser pressionadas pelos seus clientes, que são grandes empresas, a reportar alguma informação.
Esta semana, a Comissão Europeia publicou os atos delegados relativos aos standards que as grandes empresas terão de cumprir no seu relato anual, relativamente aos temas de sustentabilidade. Este ato delegado é composto por três documentos e a palavra supplier (fornecedor) surge 74 vezes no Anexo que descreve o detalhe dos 12 standards. Ou seja, os fornecedores são parte integrante do que as grandes empresas têm de divulgar e, como tal, estas irão questionar os fornecedores – as PME portuguesas – sobre as suas práticas e compromissos climáticos, sociais e de ética.
É por isso muito comum que a primeira pergunta de uma grande empresa a uma PME seja: tem uma estratégia de sustentabilidade e compromissos assumidos? Esta pergunta raramente tem uma resposta positiva e deveria ter.
Na realidade, as PME quando ouvem a expressão “estratégia” assustam-se, pensando que é algo muito complexo, que lhes vai demorar imenso tempo a realizar e que vai ser muito caro. Errado!
Utilizando a definição dos standards europeus que saíram esta semana, relatar a estratégia de sustentabilidade implica a empresa conseguir comunicar qual o seu modelo de negócio e de que forma este interage com os temas materiais associados ao processo de produção da empresa, os riscos e oportunidades decorrentes dos temas climáticos e de sustentabilidade em geral, e como pensa a empresa lidar e antecipar este contexto. Ou seja, definir uma estratégia de sustentabilidade numa PME implica apenas:
- Analisar a sua cadeia de valor desde a origem dos materiais que usa, até ao final da vida útil do produto/serviço que vende;
- Nessa cadeia de valor, identificar os impactes negativos e positivos ao nível dos temas ambientais, sociais e de governação/ética;
- Para cada impacte identificado associar um dos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), para se ter uma noção geral do impacte positivo e negativo que a empresa gera na sociedade;
- Aqueles impactes que são mais negativos devem ser parte dos vetores prioritários da estratégia de sustentabilidade da empresa, pois o objetivo de uma estratégia de sustentabilidade é diminuir os impactes negativos da empresa;
- Aqueles impactes que são mais positivos devem ser parte dos vetores prioritários da estratégia de sustentabilidade da empresa, pois o objetivo de uma estratégia de sustentabilidade é também aumentar os impactes positivos da empresa;
- Analisando os impactes positivos e negativos, e cruzando isso com os ODS correspondentes, a empresa deve identificar entre quatro a seis ODS que possam constituir os seus objetivos para promover o desenvolvimento sustentável da sua empresa, região e país. Esses serão os ODS prioritários da empresa e podem constituir os eixos estratégicos de atuação;
- Para cada um desses eixos estratégicos, a empresa deve identificar um conjunto de ações que necessitam de fazer para melhorar o seu impacte na comunidade, com os colaboradores, no ambiente e ao nível da ética e governance. A identificação destas ações decorre de forma muito natural por parte da equipa da empresa, que sente assim a oportunidade de participar no processo estratégico da empresa. Aliás, uma estratégia de sustentabilidade deve ser pensada e discutida com os colaboradores, e não deve ser realizada exclusivamente por um grupo de parceiros externos;
- Cada ação terá de ter um calendário, um responsável, um objetivo e um indicador de progresso;
- Cada eixo estratégico, que terá várias ações, deve ter um/uma responsável por fazer acontecer, sendo necessário existir também alguém que coordene a implementação de todos os eixos estratégicos de sustentabilidade;
- Todos os anos este plano deve ser revisto e atualizado e os compromissos dados através dos objetivos devem ser revistos e o seu grau de cumprimento divulgado.
Depois de uma PME fazer este exercício é muito mais simples conseguir responder aos vários questionários que começam a receber dos seus clientes. Será também mais simples compreender o que têm de realizar e os dados que têm de divulgar.
Estamos a caminhar para uma nova contabilidade ESG, que divulga dados e informação ambiental (environment), social e de governação, e por isso as PME não devem atrasar o início deste processo. Devem também ter consciência de que, sendo algo novo, ter uma estratégia de sustentabilidade ou de ESG (como agora todos falam) não é assim tão difícil de fazer. Há coisas bem mais complicadas que as PME portuguesas fazem muito bem. Isto é apenas novo! É apenas um conjunto de inovações de processos que resultam de uma visão mais ampla do que é uma empresa.