Na discussão parlamentar da proposta de Orçamento do Estado, o Governo foi mais uma vez acusado de não ter estratégia. Não tem? Picado pela dúvida fui ao Google ver e fiquei surpreendido.
Lembrei-me que estas coisas são geralmente apresentadas em Resoluções do Conselho de Ministros, vulgo RCM. E comecei a busca. A primeira que encontrei foi a RCM 101/2018, com a Estratégia Nacional para a Produção de Cereais, a executar por um Plano de Ação e acompanhada por seis ministério e três associações.
Um objetivo é a “Viabilização da atividade agrícola no território com vocação agrícola”, que me parece pouco ambicioso – ousado é viabilizar a atividade agrícola em território sem vocação agrícola, mas deve ser difícil. Outro objetivo é “Criar valor na fileira dos cereais”, que me parece certo – não me revejo em “Destruir valor na fileira dos cereais”; seria um tiro no pé, e tiros é caça, não é cereais. Mas não encontrei o Plano de Ação.
De seguida dei com a RCM 92/2019, que aprova a Estratégia Nacional de Segurança do Ciberespaço, a articular com a Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo, com a TIC 2020 — Estratégia para a Transformação Digital na Administração Pública, e com a Estratégia de Inovação Tecnológica e Empresarial para Portugal. Fiquei entusiasmado. O primeiro objetivo é “maximizar a resiliência”, uma boa aposta – diz o provérbio “dos fracos não reza a História”. Há um Plano de Ação, a fazer em 120 dias, mas não o encontrei.
Detive-me então na RCM 134/2017, que aprova a Estratégia para o Turismo. Esta não tem objetivos nem plano de ação, mas tem desafios, como “turismo todo o ano”, que eu louvo mas não consigo fazer aceitar a quem me dá emprego. Também tem metas, como “satisfação dos residentes”; acho bem se for para os residentes fazerem turismo, mas não deve ser o pretendido.
Segue-se a RCM 131/2019, que aprova a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável, a ENMAC. A primeira razão da ENMAC é “fazer bem à saúde”; não vejo como, a considerar os tarados que me passam ao lado no passeio a esgalhar na bicicleta, mas permite entender a medida “avaliar a atenuação da culpa do lesado como causa de exclusão ou redução da indemnização em caso de responsabilidade objetiva”.
Depois há a Estratégia Nacional para a Integração dos Sem-Abrigo, a Estratégia Nacional para a Habitação (que é como quem diz, dos com-abrigo), a Estratégia Nacional Especialização Inteligente (por oposição à Especialização Estúpida), a Estratégia Nacional para a Deficiência, a Estratégia Nacional para os Jovens que não Estudam nem Trabalham, e muitas, muitas outras. Então percebi. É falso que o Governo não tenha estratégia. Não tem é tempo para fazer mais nada.