A 14 de Julho foi ouvida na Assembleia da República a Autoridade da Concorrência (AdC). É lamentável que a informação fornecida e o debate ocorrido tenham tido tão pouca atenção dos media. Porque suscitam, no mínimo, a necessidade de uma reflexão sobre as entidades reguladoras. E é fácil perceber que o menor dos seus problemas é o da “independência” (1).
Da sua investigação e sanção de práticas anti-concorrenciais, a Autoridade da Concorrência (AdC) dá conta das coimas aplicadas.
Banca, 225M€: “Durante um período de mais de dez anos, entre 2002 e 2013”, “os bancos participantes na prática concertada trocaram informação sensível referente à oferta de produtos de crédito na banca de retalho, designadamente crédito à habitação, crédito ao consumo e crédito a empresas.”
Seguradoras, 42M€: “Pelo menos entre 2014 e 2017”, “as empresas Lusitania, Fidelidade, Multicare, Seguradoras Unidas e Zurich” “actuaram concertadamente no mercado, repartindo entre si os clientes e acordando os respectivos preços”; “combinavam entre si os valores que apresentavam a grandes clientes empresariais na contratação de seguros de acidentes de trabalho, saúde e automóvel.”
Energia, 48M€: “Entre 2009 e 2013, a EDP Produção manipulou a sua oferta do serviço de teleregulação (…), limitando a oferta de capacidade das suas centrais em regime CMEC para a oferecer através das suas centrais em regime de mercado, de modo a ser duplamente beneficiada em prejuízo dos consumidores.”
Grande Distribuição, 24M€: “A AdC tem actualmente em curso 10 investigações no sector da grande distribuição de base alimentar”. “Em Março de 2019, a AdC acusou 6 grandes grupos de distribuição alimentar e 3 fornecedores de bebidas de práticas equivalentes a cartel, de concertação de preços de venda ao consumidor.” “A confirmarem-se estas acusações, a conduta em causa é muito grave. (…) todos praticam o mesmo preço de venda ao público (…)»; «práticas (…) entre 2003 e 2017.”
Telecomunicações: acusa “os operadores de telecomunicações MEO, NOS, Vodafone e Nowwo, de terem formado um cartel para condicionar a forma como os consumidores vêem anúncios publicitários (…)”. (Público, 18JUL20)
Duas conclusões centrais: estes problemas decorrem da estrutura monopolista/oligopolista, na estrutura económica do País, dos produtores/fornecedores de bens e serviços estratégicos e não transaccionáveis: Banca, Seguros, Grande Distribuição, Energia, Telecomunicações, etc., resultado da política neoliberal do PS, PSD e CDS. Não há AdC, nem outros reguladores, nem leis da concorrência que travem estes comportamentos criminosos – as coimas aplicadas podem parecer vultuosas, mas estão muito longe de indemnizar/compensar a sociedade dos brutais impactos criados, aos consumidores e empresas.
Pensar que haverá concorrência sem destruir a estrutura monopolista/oligopolista é o mesmo que querer esvaziar o mar à colher.
(1) Perante o completo falhanço das entidades reguladoras (criadas pela matriz neoliberal das privatizações, desregulamentações e liberalizações), na missão de defesa do interesse público, perseguem-se bodes expiatórios. O mais conhecido, mas não único, é o da sua “independência” do poder político-partidário/governos e a sua não captura pelos interesses que lhes cabem regular. Ver Suzana Coroado (ICS-ULisboa), Público 19JUL20. Ver projecto-lei recente do IL.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.