Para além das óbvias questões éticas que o caso Montenegro e empresa Spinumviva colocam, existe algo de muito mais profundo em que precisamos reflectir e que tem que ver com questões de mérito e de concorrência.

Se nos sectores mais concentrados como as telecomunicações, banca, seguros entre outros a concorrência parece ser limitada com prejuízo para o consumidor, como já tive oportunidade de escrever numa coluna aqui no Jornal Económico intitulada “Fixação de preços, uma tradição em Portugal”, a verdade é que o mercado, na totalidade, tem significativas distorções à livre concorrência e ao mérito.

O que é verdadeiramente perverso é a aparente teia de relações, que são circuitos fechados, onde só os “amigos” entram. As notícias dizem que a Spinumviva tinha como cliente o dono de uma gasolineira de Braga cujo filho, João Rodrigues, é o candidato do PSD à autarquia nas próximas eleições. Por sua vez, a mulher de João Rodrigues, Inês Varajão Borges, passou a ser colaboradora na Spinumviva. Finalmente, João Rodrigues é sócio fundador do escritório de advogados de Hugo Soares, líder da bancada parlamentar do PSD e principal defensor de Montenegro.

No caso dos Casinos Solverde, além de legítimas considerações de outra ordem, não se pode deixar de notar que uma empresa desta complexidade, num assunto tão sensível como a protecção de dados, teria certamente o cuidado de procurar uma empresa com mais experiência na matéria e que oferecesse mais garantias. Estranhamente, prefere contratar uma empresa com três ou quatro anos de existência, sem grande track record, quando comparada com outras do mercado.

Estes sistemas fechados, onde só entram eleitos (notar o duplo sentido), criam dependências de recursos pouco saudáveis, não na base do mérito e da livre concorrência, mas na base de relações pessoais e de compadrio.

O problema é que estas redes de complexas dependências recíprocas multiplicam-se por esse Portugal fora, de formas quiçá ainda mais inusitadas. Em sistemas fechados criam-se normas éticas próprias, e a ideia de bem comum na sua relação com o exterior perde-se. As dependências de recursos e o relativo poder – percebido ou real – das partes, fazem o resto.

A sensação que existe é que esta forma de estar, estas redes de dependências pouco salutares, existem de tal forma enraizadas em tantos sectores de actividade, que mudar de paradigma se torna uma tarefa equivalente a “esvaziar o oceano com uma colher de chá”. Como não é preciso esforço para angariar clientes, também não existe grande necessidade de melhorar e inovar.

Quando se fala no mérito, no mercado concorrencial e na inovação, é preciso lembrar que num país com este tipo de comportamentos tudo isso é comprometido. Quantas vezes invocou Luís Montenegro o mérito nas suas intervenções como primeiro-ministro?