Para muitas chefias, este período de confinamento representou o dar de caras com o mundo VUCA, começar a decidir num mundo onde “tudo ou quase tudo passou a temporário, reversível, precário, indefinido” (resposta de chefia).

Talvez por isso, mais de metade das pessoas que responderam ao inquérito “Desafios Éticos em tempos de Pandemia” considera que teve mais desafios éticos durante o período de confinamento. A justificar esses dilemas: a ausência de certezas sobre qual a decisão a tomar, a ausência de regras pré-definidas, a incerteza. É isso que caracteriza por natureza os dilemas éticos e foi esse um dos aspetos mais dolorosos deste período.

As situações adquiriram uma complexidade acrescida, passou-se para a “ambiguidade e ambivalência dos sentimentos: por um lado querer compreender quem quer deixar de pagar e por outro lado não ter margem para aceitar isso” (resposta de chefia).

Outros fatores que tornaram mais complexos os desafios éticos foram o local de trabalho e o horário. Na análise das respostas, destacam-se palavras como a confiança, a decisão de confiar (ou não) nos trabalhadores por partes das chefias ou a perceção de se ter (ou não) uma chefia que confia em nós. E essa é uma perceção que pode perdurar no tempo e à qual pode ser importante estar atento, agora e no futuro.

A questão das crenças e emoções é muito relevante, porque a chefia até pode querer confiar, mas não ser capaz. Aliás, algumas chefias referem a confiança como uma tomada de decisão. Decidir confiar e dar flexibilidade ao colaborador para decidir o seu horário de trabalho apesar do eventual acréscimo de ansiedade e incerteza que daí possa eventualmente advir.

O tema família e conciliação trabalho-família não é, naturalmente, uma questão nova, mas a pandemia deu-lhe uma nova dimensão; colocou a família na empresa ou a empresa no espaço da família e entraram novos personagens que tiveram de ser tidos em conta e que já deviam ter sido tidos em conta há muito tempo: “A presença a tempo inteiro no meio familiar tornou mais evidente aquilo que é negligenciado no dia a dia em casa” (não chefia).

Surge uma maior atenção à Pessoa, com toda a sua singularidade e com os momentos que cada um possa estar a viver, o que obriga as chefias a lidar com novos paradoxos: a pessoa e a equidade, o particular e o coletivo, dar resposta às necessidades da pessoa e ao mesmo tempo ter a preocupação de não “permitir que a esfera pessoal interfira com o “todo” da empresa” (chefia). Surge, de forma visível, uma ética do cuidar, com o aparecimento, na descrição do clima interno, de palavras como Compaixão e Proteção.

Estes são, parece-nos, aspetos sobre os quais vale a pena refletir para escolher o que queremos que passe a ser o novo normal, num mundo que, com ou sem pandemia, vai continuar a ser VUCA. E é importante que o aceitemos.