Nos dias que correm, estamos cada vez mais dependentes, mais adictos, mais viciados em coisas que, até há uns anos atrás, dispensávamos nas nossas vidas ou que representavam um papel muito menos relevante do que aquele que atualmente ocupam no nosso quotidiano.

Vem isto a propósito da greve dos camionistas especializados em transportar materiais perigosos que conseguiram, com a sua paralisação, colocar o país em estado de coma, fazendo-nos recuar aos tempos pós 25 de abril de 1974, em que havia racionamento de produtos de primeira necessidade e em que os bancos só libertavam o equivalente a dez euros por dia.

Em pleno século XXI, sociedades profundamente desenvolvidas vivem cada vez mais dependentes de coisas que o progresso lhes trouxe para o seu dia a dia. Dificilmente sobrevivemos sem o “ouro negro”, que condiciona a nossa mobilidade diária; já não respiramos sem a televisão que diariamente ocupa um papel nuclear na nossa existência; ficamos paralisados em caso de avaria dos computadores com que trabalhamos; não conseguimos imaginar um mundo sem email, que permite contactarmos com pessoas que estão a milhares de quilómetros de distância; não vislumbramos a vida sem um telemóvel ou sem termos acesso às redes sociais.

Quando tentamos explicar às gerações mais jovens que, ainda há não muito tempo, só existia um canal de televisão, não dispúnhamos de computadores pessoais, não havia internet, o email era uma imaginação digna de Júlio Verne, não era sequer equacionável a existência de Facebook, Instagram, Twitter ou LinkedIn, somos rapidamente apelidados de fósseis, atirados para as prateleiras da história como seres que habitavam um planeta pré-histórico longe da modernidade que atualmente se apossou do terceiro calhau a contar do sol.

Até nós que, há não muito tempo, conseguíamos sobreviver sem um comando que nos permitisse saltitar de programa em programa no quadradinho mágico, que demandávamos o cinema cada vez que queríamos assistir a um filme, que recorríamos às cabines telefónicas públicas para contactar os nossos amigos ou familiares, que escrevíamos cartas aos nossos amigos, em vez de lhes enviarmos um sms ou uma mensagem de WhatsApp, que nos socorríamos do correio em vez que anexar ficheiros ao e-mail, temos dificuldade em voltar a imaginar um mundo em que nascemos e crescemos.

É praticamente impossível pensar que necessitávamos de aprender a tabuada na ausência de máquinas de calcular, que conseguíamos realizar trabalhos académicos com o auxílio de máquinas de escrever, que não permitiam fazer delete àquilo que havíamos acabado de escrever, nem utilizavam corretores ortográficos, que investigávamos com recurso a bibliotecas, sem ter acesso à Internet, que não sucumbíamos por não existirem redes sociais, que vivíamos numa espécie de Idade Média Tecnológica.

O progresso trouxe consigo uma crescente dependência das pessoas em relação a coisas que eram dispensáveis num passado recente. Hoje, somos todos muito mais dependentes, muito mais adictos, muito mais viciados do que éramos há duas ou três décadas atrás. E tudo indica que no futuro esta dependência aumente cada vez mais, sendo certo que o autor destas linhas dificilmente imagina como seria possível partilhar estes seus pensamentos se não existisse o computador em que está a escrever este texto, o email através do qual o irá enviar para o jornal que o irá publicar ou as redes sociais que o farão chegar ao público em geral, para que o leiam, o partilhem e o comentem.