A Epopeia da Gestão do Talento e a Busca pela Felicidade Organizacional

Há mais de uma década, estava eu a trabalhar na área da empregabilidade com recém-licenciados numa prestigiada universidade portuguesa, e, certo dia, feliz, comuniquei a um finalista que tinha arranjado um estágio com enorme possibilidade de integração na empresa, com contrato de trabalho sem termo no fim do estágio, ao que ele respondeu, após um semblante entristecido: “ah, preferia não ter contratos. Não tem nada assim… freelancer? Preferia não me prender já…”

Para uma técnica e investigadora na área da precariedade e empregabilidade (também eu precária na altura), aquilo foi, no mínimo, estranho e surpreendente.

Já se falava de atração e retenção de talento e Employer Branding há muitos anos, mas parecia ‘coisa’ de outros futuros. De ‘Googles’ e ‘Microsofts’. No entanto, isto não é novo (mas às vezes parece!), porque a Epopeia começou há muito tempo. Epopeia: Poema épico e ‘ação grande estrelada por personagens de espírito heróico e detalhes sobrenaturais que são apreciados’. Então, nesta epopeia, quem são os heróis?

A Epopeia da gestão do talento ganha novos contornos. Em breve, haverá muitas empresas portuguesas a viver aquela situação que eu vivi há tantos anos e a achar estranho e surpreendente porque é que ninguém quer trabalhar lá.

Dantes, ouvíamos a expressão “vestir a camisola”. Os ‘patrões’ pediam isso. Agora, são muitos os colaboradores que vestem rapidamente a camisola, mas a questão já não é essa. É se a mantêm vestida. Daniel Pink irrita-se em diversos debates e TED Talks, com razão: já sabemos há mais de 40 anos que a motivação extrínseca não vai reter talento. E agora temos uma geração de trabalhadores que não vai aceitar trabalhar numa organização com um excelente package de benefícios mas sem felicidade organizacional, sem causas, sem responsabilidade social, sem autonomia, sem desafios, sem inovação.

A felicidade organizacional é um constructo científico que veio aglutinar várias temáticas já estudadas há décadas e que junta áreas tão diversas como a psicologia, a sociologia, a gestão, os recursos humanos, o marketing interno, entre outras.  E se, durante muitos anos, parte da felicidade organizacional esteve ligada ao vínculo, essa relação está a esmorecer, com a percentagem de freelancers a crescer em todo o mundo (por opção). Em 2016, 34% da força de trabalho americana, por exemplo, era freelancer e as previsões para 2020 estimam que serão 43%.

As 40h ou 35h terão de acabar para os trabalhadores do conhecimento – mas está difícil as empresas saírem do registo de trabalho=horas e passar para trabalho=resultados. É outra epopeia ser criativo e inovador quando se está “pregado” (daí a palavra emPREGO”) a uma secretária oito horas por dia, e regido por princípios que se aplicavam apenas ao trabalho manual e repetitivo.

Jeremy Rifkin opinou sobre o “Fim dos Empregos” no livro homónimo em 1995, o que não aconteceu. Mas são muitos os investigadores que previam que a fase do ‘emprego’ era, na realidade, uma espécie de bolha, ou seja, existiria enquanto as organizações precisassem de fixar trabalhadores e depois, deixaria de existir (pelo menos maioritariamente). Assim voltaríamos às formas de ‘comportamento produtivo humano’ que usamos desde sempre, lembrando que, como nos diz Stephane Kasriel, “em 1860, cerca de 80% da força laboral era auto-empregada/freelancer”.

A felicidade organizacional veio para ficar. Eu visto a camisola, mas se não for feliz aqui, vou despi-la facilmente. E o que é ser feliz no trabalho? A ciência há muito que dá a resposta: líderes transformacionais, reconhecimento da mestria, ambiente organizacional positivo, sentido de propósito. Todos sabemos que valorizamos as coisas que não têm preço, apesar de, por vezes, cairmos na ilusão de achar que o que é extrínseco é que pesa.

Refleti sobre isso na Teoria do Inemprego : um dos perfis é ‘abraçar o inemprego’ (Embracing anemployment), logo assumir e apropriar-se do novo modelo de trabalho e deixar os outros três perfis no passado. Com algum custo e desvantagens, claro, já que são muitos os colaboradores a saltar fora da “rat race”’, da “Wage Slavery”, das dinâmicas de poder e hierarquia. Um modelo de elevada felicidade organizacional, elevado empenho e mestria, e no qual facilmente os colaboradores vão começar a vestir várias camisolas! Afinal, está ‘in’ vestir umas por cima das outras, certo?