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Eu vou ser como a toupeira

O título da canção de José Afonso podia bem ter sido o juramento de tomada de posse de Carlos Costa. E é a razão pela qual a sua continuação no Banco de Portugal é insustentável.
11 Fevereiro 2019, 13h57

O anúncio do Governador do Banco de Portugal, de que se escusaria a participar em decisões relacionadas com a auditoria à Caixa Geral de Depósitos (CGD), é uma pobre cortina de fumo para tentar ocultar as responsabilidades objetivas de Carlos Costa no escândalo do banco público e no encobrimento que protagonizou como regulador. Convém lembrar que estamos a falar de uma auditoria cuja publicação Carlos Costa tentou com todas as suas forças evitar – e que só foi revelada através de uma fuga de informação para a comentadora Joana Amaral Dias que, com esse gesto, fez mais pela integridade do sistema financeiro do que Carlos Costa, o qual é principescamente pago para isso. O Governador conhecia a auditoria há vários meses. Se fosse sério, a escusa que agora anunciou estaria em vigor desde que o relatório da EY foi entregue ao Banco de Portugal.

Acresce que esta escusa não resolve nada. Enquanto permanecer à frente do regulador, Carlos Costa mantém um enorme poder de condicionamento e influência do trabalho que os serviços façam sobre a CGD, mesmo que não participe na decisão final. Aliás, nem precisa de interferir diretamente. Basta aos funcionários que tenham o processo nas mãos saber que as suas conclusões e recomendações podem atingir o chefe para se sentirem obviamente condicionados. O Governador do Banco de Portugal está num conflito de interesses insanável que só se resolve atravessando a porta da rua – o mesmo vale, já agora, para Elisa Ferreira, cujo marido aparece também envolvido nos negócios negros da CGD e que, ao que se sabe, nem sequer a cortina de fumo da escusa achou relevante invocar.

 

“A história recente da CGD é um caso de estudo – mais um! – da captura regulatória, exposta pelo sistema de porta giratória entre regulador e regulados, pela promiscuidade entre política e negócios, pelo impulso de ocultação onde é exigida transparência, pela cumplicidade silenciosa em vez da prestação de contas”.

 

É suficientemente ilustrativo do estado aberrante do regulador a notícia de que o próprio Carlos Costa estará a salvo do exame de idoneidade que o Banco de Portugal está a fazer aos ex-administradores da CGD que se mantêm no sistema financeiro. Como disse fonte conhecedora ao Jornal Económico, “o Banco de Portugal não supervisiona a sua própria casa”. Grande novidade. Ao abrir estes procedimentos de avaliação, o regulador reconhece que a idoneidade dos ex-quadros da CGD está sob suspeita. Carlos Costa é um ex-quadro da Caixa, corresponsável por ação e por omissão em vários dos créditos ruinosos aqui em causa – quer votando a favor nos casos em que participou na decisão, quer demitindo-se da sua função de, como administrador, manter uma vigilância sobre a boa gestão da casa, para lá do exercício estrito dos seus pelouros.

A entidade reguladora do sistema financeiro não pode servir de cofre-forte para pessoas cuja idoneidade está sob a suspeita da mesma reguladora! Corresponderia a dizer que, desde que consiga arrombar a porta, o ladrão tem direito a servir-se impunemente das pratas. Se tem algum amor pelo seu bom nome e um mínimo sentido de zelo em relação à sua missão, Carlos Costa tem a obrigação de se disponibilizar para uma avaliação independente à sua idoneidade – e isso obriga-o a afastar-se do Banco de Portugal.

Mas o Governador não está disposto a isso. Ao menos aí, honra lhe seja feita, exerce as funções de chefia do Banco de Portugal da mesma forma que exerceu as funções de administrador da CGD: não viu nada, não sabe de nada, não perguntou nada. A mesma postura de toupeira que teve, como regulador, nas falências e resgates em cascata de praticamente todos os bancos do sistema financeiro português teve-a, como administrador, na CGD. Uma miopia que saiu cara ao país, à economia e ao contribuinte, mas que não parece causar a Carlos Costa especial embaraço.

A história recente da CGD é um caso de estudo – mais um! – da captura regulatória, exposta pelo sistema de porta giratória entre regulador e regulados, pela promiscuidade entre política e negócios, pelo impulso de ocultação onde é exigida transparência, pela cumplicidade silenciosa em vez da prestação de contas. Carlos Costa pode nem ser o principal culpado desta desgraça, mas é hoje o seu principal símbolo. O seu tempo acabou. Depois de tantas falências e resgates bancários nos últimos anos, está na hora de reconhecermos a falência do Banco de Portugal. E iniciarmos o seu resgate.

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