Não poderia haver maiores desafios para um presidente americano do que aqueles que a presidente Hillary Clinton irá enfrentar a nível interno e externo. A fratura aberta na democracia americana por Donald Trump e, consequentemente, como Gideon Rachman chama a atenção no Financial Times, no prestígio da democracia ocidental em geral, terá consequências globais.

Os partidários do rufião ditatorial Trump não irão para casa, segundo a revista New Yorker, pois sentem-se “oprimidos”. Estudos recentes revelam que os eleitores “trumpistas”, assim como os partidários do Brexit ou de partidos populistas noutros países, não têm como principal motivação a questão económica – perda de postos de trabalho em setores específicos da economia em resultado da globalização. São animados pelo revanchismo racista do “homem branco” que sente que os seus valores, crenças, história, estão a perder o domínio da cultura dita nacional para uma pluralidade de culturas que consideram alienígenas.

O programa de governo de Clinton não é centrista. É considerado pela sua apoiante Elizabeth Warren, uma ‘firebrand’ da esquerda do Partido Democrata, o mais “progressista” de sempre, e que se manifesta, por exemplo, na oposição antiliberal que Clinton agora demonstra relativamente aos tratados de livre comércio. Clinton encontrará forte oposição do Partido Republicano no Congresso, embora a maioria que este atualmente detém possa evaporar-se nas próximas eleições estaduais. Felizmente para a Europa e para o ocidente, Clinton percebe de geoestratégia e sabe da importância vital da NATO.

Como há dias avisou Mikhail Gorbatchev, o mundo aproxima-se da linha vermelha. Clinton deve te presente que qualquer inadvertência poderá desencadear uma guerra entre as grandes potências, uma nova guerra à escala mundial. Mas não pode apaziguar. Têm razão os que acusam Barack Obama de ter criado um vazio de poder no Médio Oriente ao não executar a ameaça de punir Assad pela utilização de armas químicas na Síria. John Kerry não escondeu que a sua opção teria sido a utilização da força. Putin rapidamente ocupou o espaço deixado livre. Para além do envolvimento direto na guerra aérea, anunciou há dias que irá ampliar a sua base naval na Síria – o Bósforo não é passagem segura para o Mediterrâneo – e instalar outras noutros territórios.

A norte, a instalação de mísseis com capacidade para ogivas nucleares no enclave de Kaliningrado, entre a Lituânia e Polónia, dentro das fronteiras da NATO, foi agora revelada. Na fronteira leste da Ucrânia está acantonado um exército russo pronto a invadir. Putin aceitou colaborar com a OPEP com vista ao aumento do preço do petróleo e assinou um acordo com a Turquia para a construção de um ‘pipeline’ para a Europa que evita a Ucrânia. O novo presidente dos EUA não poderá ignorar que está a ser criado um cerco militar e económico à Europa.

As guerras na Síria, no Iémen e na Líbia são um atoleiro horrendo para as populações. Todas as convenções sobre guerra são ignoradas. Os benificiários do conflito na Síria são a Rússia, os seus aliados xiitas e os sunitas fundamentalistas do Daesh, convenientemente inimigos do ocidente. Os perdedores são os EUA, os aliados europeus e os estados pró-sunitas ou sunitas como a Turquia, membro da NATO, e a Arábia Saudita, aliados incómodos mas imprescindíveis. Outros conflitos em África impelem milhões de destituídos em direção à Europa e à morte no Mediterrâneo.

A oriente, a China alimenta a sua ambição expansionista marítima, talvez revivendo o sonho do imperador Zhu Di e do seu almirante  Zheng He. A capacidade nuclear da ditadura da Coreia do Norte avança sem oposição da China ou da Rússia, porque talvez lhes pareça que aquela ameaça à República da Coreia e ao Japão, aliados do ocidente, não é de todo despicienda. Mais a sul, os filipinos elegeram para presidente um vingador que está a colocar em causa a aliança com a antiga potência colonial, os EUA, afirmando-se pronto a negociar com a China – apesar da disputa marítima – e a Rússia.

Na União Europeia, o populismo autoritário na Hungria, Polónia, Holanda ou França mina uma coesão enfraquecida com o Brexit,  uma brecha que ninguém sabe como fechar. Theresa May está a revelar-se uma “brexiteer encapotada” ao propor um “hard brexit”, ou seja, uma separação não amigável e cooperante com a UE que, por seu lado, já afirmou que não vai ceder às exigências britânicas quanto às “quatro liberdades”.

O Reino Unido poderá deixar de ser tão unido, com a eventual independência da Escócia, e tão próspero. O “homem branco” que votou contra o ‘Remain’ não percebeu que a sua condição económica iria ficar pior porque o desastroso primeiro-ministro Cameron não se soube explicar. Diz-se que a ideia de um exército europeu alimentada pela Alemanha e a França, com sede em Bruxelas, será uma forma de pressionar o Reino Unido, mas é certamente canhestra e perigosa. A pressão a leste e a sul poderá ser o mais forte unificador europeu e atlântico. Espanha prossegue sem governo e agora sem um PSOE forte, e com o independentismo catalão em pano de fundo. Portugal está tranquilo, “no pasa nada”.