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Euro e moedas suíça e japonesa afirmam-se como ‘pontos de fuga’ do dólar devido a guerra comercial

É referido, por parte dos analistas consultados pelo Jornal Económico (JE), que, face ao contexto atual, o euro pode continuar a valorizar em relação ao dólar. O ouro e as moedas suíça e japonesa têm capitalizado perante queda do dólar, derivada da política comercial dos Estados Unidos. Um dos analistas diz mesmo que os défices norte-americanos têm vindo a “minar gradualmente” a confiança no dólar como moeda de reserva global.
15 Abril 2025, 07h00

O euro tem sido um dos beneficiados com o anúncio do aumento de tarifas dos Estados Unidos a vários parceiros comerciais. A moeda europeia já subiu 10% desde o início do ano face ao dólar. Existe mesmo a possibilidade de o euro continuar a sua valorização em relação ao dólar, como admite um dos especialistas consultados pelo Jornal Económico (JE), que adiantam também que o euro e as moedas suíça e japonesa têm sido vistas como alternativas pelos investidores.

Na segunda-feira, o euro cotava a 1,13 dólares. Pelo menos desde 2021 que não se via o euro tão forte em comparação com o dólar. O ano de 2020, marcado pela pandemia da Covid-19, foi outro momento que levou à valorização do euro. Nesse ano, a moeda europeia chegou a valer 1,22 dólares.

Os máximos históricos estão situados na crise financeira que se iniciou em 2008. Nessa altura, o euro chegou a valer 1,58 dólares.

Tendo em conta a volatilidade que se tem instalado no mercado, e que pode ser verificada através do VIX, que após o anúncio das tarifas de 2 de abril voltou a apresentar um comportamento semelhante ao da pandemia da Covid-19 em 2020 e da crise financeira de 2008, o que se pode esperar do par euro/dólar nos próximos tempos?

Euro pode continuar a valorizar face ao dólar

Os especialistas ouvidos pelo Jornal Económico (JE) assinalam a perda de força do dólar face ao euro em virtude da política comercial que tem sido seguida pelos Estados Unidos, que optaram por impor tarifas a vários parceiros comerciais, sendo a China o maior visado.

Para o analista da XTB, Henrique Tomé, num cenário em que se continue a assistir ao recuo das yields, e se se confirmar uma alteração na política monetária por parte da Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) em relação às taxas de juro, “poderemos assistir à continuação do movimento em alta do euro/dólar (EUR/USD)”.

Henrique Tomé diz ainda que, apesar de o euro não assumir um papel de ativo de refúgio, o seu comportamento recente de valorização face ao dólar “tem suscitado atenção”.

O analista da XTB assinala que a inversão da tendência no par EUR/USD começou a 20 de janeiro e acabou por se intensificar à medida que as yields americanas “começaram a recuar, impulsionadas por diversos dados macroeconómicos que evidenciaram um abrandamento económico” em setores-chave, como os serviços e a indústria.

“Esta tendência acabou por se intensificar com a introdução das tarifas de Donald Trump, que aceleraram também o movimento de baixa dos juros da dívida, uma vez que começaram a surgir as perspetivas de antecipação de cortes nas taxas de juro”, referiu o analista da XTB.

Para o analista da ActivTrades Europe, Henrique Valente, apesar de o euro ter “beneficiado” da perspetiva de aumento da dívida e dos gastos com defesa na Europa, o movimento observado nas últimas semanas explica-se sobretudo por uma “desvalorização do dólar norte-americano, impulsionada pela escalada da guerra comercial” entre os Estados Unidos e a China.

“Esta tensão tem levado os investidores a reduzir a exposição ao dólar a uma velocidade alarmante”, alerta Henrique Valente.

O analista da ActivTrades Europe acrescenta que este comportamento “é visível” não só na valorização do euro, mas também na subida do ouro, que é cotado em dólares e “tende a apreciar-se quando há fuga de capitais” dos ativos denominados na moeda americana.

“O mesmo se observa noutras moedas tradicionalmente associadas a refúgio, como o iene japonês e o franco suíço. Assim, não é tanto o euro que se afirma como porto seguro, mas sim o dólar que está a perder tração, face à perceção de risco crescente em torno da economia norte-americana e da sua instabilidade”, acrescenta Henrique Valente.

O mercado financeiro norte-americano tem tido, desde o anúncio das tarifas a 2 de abril, uma enorme retirada de dinheiro por parte dos investidores.

Ao nível do mercado de obrigações a nível global, foram retirados 25,71 mil milhões de dólares (22,6 mil milhões de euros) na semana que finalizou a 9 de abril, o maior volume semanal desde 1 de abril de 2020, de acordo com os dados da LSEG Lipper, divulgados pela agência noticiosa Reuters.

A maior parte das retiradas de capital foi nos fundos norte-americanos de obrigações, com 15,64 mil milhões de dólares (13,7 mil milhões de euros) na semana que terminou a 9 de abril, a maior retirada semanal em 27 meses. Foram ainda retirados 12,72 mil milhões de dólares (11,1 mil milhões de euros) em fundos europeus. Contudo, os fundos asiáticos tiveram entradas de 289 milhões de dólares (254,6 milhões de euros).

Nas ações, foram retirados 10,7 mil milhões de dólares (9,4 mil milhões de euros) durante essa semana que terminou a 9 de abril, acrescenta a agência noticiosa.

Na passada sexta-feira, foi também reportado que os investidores retiraram 6,5 mil milhões de dólares (5,7 mil milhões de euros) do mercado bolsista norte-americano nas cinco sessões bolsistas que foram contabilizadas até quarta-feira, de acordo com os dados do Bank of America (BofA), como assinalou a agência noticiosa Reuters.

Dólar tem comportamento dissonante face ao papel de ativo refúgio

Já o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, salienta que atualmente o comportamento do dólar “revela uma certa dissonância” face ao seu papel secular de ativo de refúgio, algo que se verificou em alturas como a crise financeira que se iniciou em 2008 e no início do confinamento da pandemia da Covid-19.

“Em momentos de stress financeiro e escassez de liquidez, o dólar norte-americano tende a funcionar como moeda de refúgio, tal como se verificou nos períodos mais graves da crise financeira de 2008/09 e no início do confinamento ditado pela pandemia, em março de 2020, com as fortes quedas nos mercados acionistas. Nos meses seguintes às quedas de março de 2020, à medida que os mercados financeiros estabilizaram e se adaptaram ao novo normal, o dólar perdeu força face ao euro”, explica Paulo Monteiro Rosa.

O economista do Banco Carregosa acrescenta que, atualmente, e apesar da instabilidade que tem existido nos mercados, o dólar “tem sido menos procurado”, acabando por ceder o lugar “ao ouro, que atingiu máximos históricos, ao franco suíço, ao iene japonês e ao próprio euro”.

Paulo Monteiro Rosa sublinha que tudo isto acontece numa altura em que se verifica uma subida nos rendimentos do tesouro dos Estados Unidos a 10 e a 30 anos, que se encontram nos 4,44% e 4,86% (cotações de segunda-feira).

“Contudo, as crescentes expetativas de recessão nos Estados Unidos, aliadas à pressão vendedora sobre a dívida soberana, intensificada pelo agravamento do défice orçamental, anulam os benefícios das taxas de juro elevadas que, em condições normais, sustentariam o dólar. Nos primeiros seis meses do ano fiscal de 2025, o défice orçamental norte-americano atingiu 1,3 biliões de dólares, o equivalente a cerca de 4,4% do PIB nominal, apenas na primeira metade do ano”, explica Paulo Monteiro Rosa.

O economista do Banco Carregosa salienta também que a intensificação da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China tem “exposto fragilidades estruturais” da economia norte-americana face ao avanço da China, “ameaçando destronar os Estados Unidos do seu estatuto hegemónico”.

Paulo Monteiro Rosa acrescenta que as contas externas dos Estados Unidos têm apresentado défices “crescentes e persistentes” desde o colapso do sistema de Bretton Woods, em 1971, o que tem vindo a “minar gradualmente” a confiança no dólar como moeda de reserva global.

“Este fenómeno reaviva o paradoxo de Triffin, segundo o qual a moeda hegemónica, ao ser usada como principal meio de liquidação internacional, é forçada a emitir continuamente liquidez para o resto do mundo, comprometendo, a longo prazo, a sua própria estabilidade e credibilidade”, explica Paulo Monteiro Rosa.

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