E subitamente os ventos mudaram. Mario Draghi reivindicou um novo desígnio para a Europa dos 27, assente em 800 mil milhões de investimento anual, enquanto Christine Lagarde desceu em 0,25 pontos percentuais as taxas de juro da zona euro, a Europa dos 20. Terá o primeiro dado o mote à segunda?
Do lado de Lagarde, à linguagem tecnocrática da “ancoragem das expectativas” ou dos “mecanismos de transmissão da política monetária”, própria de um(a) governador(a) de um banco central, sobreveio um “Que sera, sera”. Sobrou apenas a tecnicidade da unidade de medida, os basis points.
Alguns atribuíram o castelhano de Lagarde à influência de Luis de Guindos, o vice-presidente do BCE. Outra versão poderia colocar a origem dos ventos mais a Ocidente, insuflada pelo discurso de Jerome Powell em Jackson Hole e sua abertura para a inflexão da política monetária contracionista. Afinal, é anglo-saxónica a alusão musical de Lagarde ao refrão cantarolado por Doris Day.
Por sua vez, Draghi manteve-se coerente com a personalidade que revelou ao mundo em 2012, continuando a arriscar-se um dia a ganhar o cognome de “O Salvador” (do euro e da União Europeia).
Mas a questão que poderá inquietar os europeus é se alguma forma de desnorte vem assolando os seus dirigentes. Que propósito tinha afinal Ursula von der Leyen, a protagonista do discurso sobre a recuperação da pandemia, quando defendeu os planos de recuperação e resiliência dos países europeus? Não seria o objetivo último da transição verde e digital a promoção do investimento e o reposicionamento da economia europeia em relação às suas principais adversárias? O que traz de novo o relatório Draghi?
E admitindo que são ideias novas, como se garante que se cumprem os seus intuitos? No caso português, uma primeira perceção sugere que o PRR terá sido distribuído pelos diferentes sectores de atividade na forma de migalhas, sendo difícil vislumbrar as grandes transformações que terá introduzido.
Ficarão para a história, tanto identificar os grandes investimentos financiados por este programa, como nomear as linhas de intervenção estratégica definidas pelos seus dirigentes.
Três anos volvidos, caso os países europeus se ponham de acordo para materializar as propostas de Draghi, não existem quaisquer garantias que a história não se repetirá. Do pouco coeso projeto europeu não se espera que um dia desponte um consenso em torno de uma rota comum. Quiçá, por isso, se chamam sonhadores como Draghi para delinear as mudanças.
Que o sonho comande a vida.