A Europa morreu. Ou, ao menos, morreu a Europa geopolítica — aquela que, por séculos, definiu rumos, traçou fronteiras, escreveu tratados e inspirou valores universais. Restou um continente hesitante, dependente, incapaz de afirmar sua voz diante da arrogância de Washington. A Europa de hoje é uma potência econômica com alma de protetorado militar.
Os recentes encontros do G7 e da NATO expuseram, com nitidez constrangedora, a rendição europeia ao capricho norte-americano. A falta de firmeza frente à guerra na Ucrânia, o silêncio diante dos bombardeios a instalações nucleares no Irão, a timidez ante o colapso humanitário em Gaza e a omissão nas negociações comerciais com os Estados Unidos demonstram uma Europa acovardada, desconectada de sua própria história e vocação.
Ao se alinhar sem reservas a um país que pratica sanções extraterritoriais, impõe tarifas assimétricas e desrespeita sistematicamente as normas multilaterais, a Europa não apenas abdica de sua soberania — ela compromete sua relevância futura. Mais grave: ao adotar uma postura de eterna espera, na esperança de que as tormentas eleitorais americanas passem sem grandes danos, os europeus escolhem a irrelevância estratégica. Perdem o bonde da história.
Os Estados Unidos, afinal, só compreendem a lógica da dominação. Sua política externa é construída sobre o paradigma da soma zero: para que eles vençam, alguém precisa perder. A ideia de multipolaridade é inaceitável em Washington porque contradiz sua obsessão pela centralidade. Cooperação, para o governo Trump, quase sempre significa imposição disfarçada. E a Europa, ao aceitar esse jogo, se transforma em instrumento — não em protagonista.
Há, contudo, uma alternativa. A emergência da ordem multipolar — representada sobretudo pelos BRICS+ — oferece à Europa a chance de reinventar sua política externa, desta vez como parceira soberana, e não como sombra de um império em decadência. Ao invés de temer a ascensão da China, da Índia, do Brasil e do Sul Global, a Europa deveria se integrar a esse novo concerto mundial. Forjar uma realidade multipolar mais representativa, mais justa e mais funcional exige diálogo, coragem e presença. E a Europa, com sua tradição diplomática e seu poder econômico, ainda pode desempenhar esse papel.
Mas isso exige abandonar a ilusão da centralidade atlântica. O mundo não gira mais em torno de Londres, Paris, Berlim ou Washington. Hoje, Xangai, São Paulo, Joanesburgo e Nova Deli são polos tão relevantes quanto aqueles. E fingir o contrário é condenar-se à obsolescência.
A Europa precisa voltar a ser diplomática — não apenas no estilo, mas na substância. Isso significa agir em Gaza, liderar soluções no Irão, participar da reconstrução da Ucrânia, promover a paz pelo comércio, abrir-se ao Sul Global com escuta, sensibilidade e investimentos. Significa abandonar a retórica e assumir o risco da liderança. A velha Europa — hesitante, submissa, atlantista por inércia — chegou ao fim. Mas uma nova Europa, conectada ao mundo real e aos desafios do século XXI, ainda pode nascer. Se quiser.