A sociedade portuguesa está viva. Quando julgamos que as pessoas se acomodam ao sistema e se viram com maior facilidade para o consumo, surge uma oportunidade para participar e para discutir algo que se encontra num plano mais pessoal e menos mediato.

A discussão relançada sobre a eutanásia representa esse momento que tem de ir além de uma mera maioria aritmética. O debate agendado para o Parlamento no dia 20 de fevereiro assume contornos obscuros e pouco dignos para a pessoa humana. Depois de terem sido rejeitados em 2018 apresentar novamente à discussão projetos sobre a eutanásia, apesar de legítimos, ferem a sensibilidade social.

Nem se trata aqui de assumir uma posição favorável ou desfavorável face a uma questão de indiscutível relevância, mas que agora se propõe sem que tenha havido neste intervalo qualquer ensaio de trazer a público uma discussão séria, aprofundada e criteriosa sobre o tema.

E houve tempo e oportunidade. Tivemos campanhas eleitorais, candidaturas e propostas políticas, temos inúmeros canais de televisão e acesso a um sem-fim de plataformas digitais onde esta matéria poderia, com e sem paixão, ter sido objeto de reflexão e de explicitação quanto a consequências e irreversibilidades.

Há quem afirme a sua oposição de princípio a referendar questões que dizem respeito à vida humana. Há quem pretenda lançar campanhas contra a abertura legislativa ao uso deste instrumento. Médicos estão contra e a favor da solução, como estão legisladores, políticos, religiosos e pessoas comuns. Não se pode tratar este assunto com ligeireza, pois o mesmo representa um marco na forma de abordar a vida e um precedente para resolver problemas da forma mais simples.

Assumir a possibilidade de criar o instrumento é um apelo fácil face a situações difíceis. Em várias circunstâncias constatamos que algum arrastar de vida quase não é viver, particularmente na medida em que a sociedade envelhece e se verificam crescentes momentos de perda de qualidade de vida, com a perda de faculdades cognitivas e momentos de dolorosa irrealidade. Mas ninguém tem mandato para resolver tais situações por si. Exceto os cientistas e investigadores que têm a ingrata tarefa de encontrar soluções clínicas para um problema que tenderá a aumentar.

Aprovar os projetos sobre a eutanásia é um insulto ao povo português ao fazer deste tema uma questão social estruturante a ser discutida e decidida nas paredes do Parlamento sem a trazer para a luz da sociedade.

Quem está tão convicto que a eutanásia é um instrumento de crescimento social para melhorar as condições de vida dos seus concidadãos que aceite adiar as votações, aceite realizar um referendo – mesmo não vinculativo – de modo a que durante semanas ou alguns meses, se promova uma discussão séria, profunda, mesmo emotiva sobre as consequências de uma alteração tão significativa na vida de todos nós. Os valores da vida não se referendam. Tal como a morte não se impõe por decreto.

No meio desta discussão, perguntemos ao primeiro-ministro António Costa e aos seus ministros as suas posições pessoais. Que ninguém se refugie nos seus cargos para se definir e assumir a sua posição perante os valores que também devem nortear a sua ação.